POR MARCÍLIO FALCÃO
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Muitos candidatos cultivam a ilusão de que podem safar-se no CACD com um nível básico nos idiomas estrangeiros, notadamente no inglês. Há alguns anos, isso era até possível: compensava-se um desempenho fraco nas línguas estrangeiras com notas altas em outras matérias.
De uns anos para cá, o perfil do CACD, embora ainda previsível em muitos aspectos, mudou. À medida que a concorrência foi endurecendo (com menos vagas e maior nível dos candidatos), a média das notas na terceira fase das matérias de maior peso subiu e justamente por isso os idiomas tornaram-se os maiores diferenciais competitivos.
Vi um debate — ao qual já me referi em outro texto — entre uma mentora para o CACD (que não passou no certame) e um influencer da área de concursos, sobre se era essencial ser fluente nos idiomas cobrados nas provas para diplomata. O que ouvi (e que me recuso a reproduzir aqui) me incomodou, porque considero qualquer aceno no sentido de relativizar a importância do domínio profundo dos idiomas estrangeiros como uma armadilha, uma mentira que queremos ouvir. Quando você acredita que pode passar sem deslanchar nos idiomas, embarca num confortável delírio coletivo, juntamente com os outros 99,7% dos candidatos que também repetirão a prova no ano seguinte.
Primeiro erro: as pessoas usualmente associam a fluência exclusivamente à habilidade da fala. Nada mais errado. A fluência é a facilidade do uso da língua na modalidade em que é requerida. Se você quiser fazer compras em Nova York, não precisará saber escrever longos textos com gramática perfeita, mas terá que ter noções de inglês falado e de compreensão auditiva. A língua é uma ferramenta, e seu uso deve cumprir uma função específica. No caso do CACD, você precisa usar o idioma em sua modalidade escrita, por isso a fluência nesse registro não é apenas um diferencial competitivo, mas um requisito.
Dei aulas de inglês por dez anos antes de ser aprovado no CACD. Ao longo da vida, aventurei-me a estudar outros cinco idiomas, além daquele que lecionava. Não domino mais todos como gostaria porque já não fazem mais parte do meu dia-a-dia. Contudo, atribuo minhas carências atuais e esquecimentos justamente à falta de prática, e não aos métodos que usei para aprendê-los, que foram eficientes para permitir fluência em tempo razoavelmente curto.
Chamo atenção para o fato de que há várias formas de abordar o aprendizado de um idioma estrangeiro: gramática; aquisição de vocabulário; leitura e interpretação de textos (que envolve estilística, literatura e linguística); escrita; compreensão auditiva e fala. Todas elas, contudo, se confundem, a depender do tipo de atividade desempenhada. Nem preciso dizer que desenvolver as duas últimas habilidades é um esforço fútil quando o objetivo é a aprovação no CACD, por não serem cobradas nem indiretamente.
Todos esses aspectos do idioma (com exceção da parte oral e auditiva) serão cobrados nas duas primeiras fases do concurso, mas de forma diferente em cada uma delas. Tenha em mente, portanto, que você deverá sempre estudar da forma como será cobrado no prova.
Habilidades requeridas no CACD
A primeira fase mede sua habilidade de reconhecer e julgar informações. É a avaliação do conhecimento passivo. Estudos estatísticos revelaram que, a depender do recorte temporal da análise, há pouquíssima cobrança direta das regras de gramática (menos de 10-15% dos itens). Aproximadamente 30-35% das questões avaliam domínio de vocabulário: expressões idiomáticas, sinônimos e antônimos, jargão, definições e significados de palavras e expressões. Os itens sobre interpretação de textos dominam o exame de Língua Inglesa com 55%-65% dos pontos disputados. Referem-se à técnica de inferência, localização de fragmentos de informação, compreensão de estruturas sintáticas, identificação de elementos de coesão e coerência, interpretação literal e reescrita de períodos.
Na segunda fase, a brincadeira fica mais interessante: você precisa demonstrar que sabe usar o idioma de forma ativa, ou seja, escrever redações, traduções, resumos, além de dominar os mesmos aspectos da língua que foram abordados na primeira fase. O ponto de partida é a interpretação do enunciado e, quando houver, do texto de referência. Nessa etapa, supõe-se que seu domínio da gramática inglesa seja quase perfeito: por ser mais simples que a do vernáculo de Camões, você não se pode dar o luxo de perder pontos em inglês por causa de falhas na gramática. Estude com especial atenção o uso das letras maiúsculas e minúsculas, os gentílicos, as conjunções subordinativas e formas de expressar relações lógico-discursivas entre ideias e as normas pontuação, já que elas diferem das do português. É também o momento de colocar em prática o vocabulário pertinente aos assuntos que você já estudou, sem exagero nem pedantismo. Cada palavra tem que ser adequada ao contexto e ao registro linguístico almejado. Tenha na manga sempre algumas frases com funções comunicativas para ajudar a expressar suas ideias e construir sua argumentação. O texto deve ser claro, limpo e sem firulas nem construções (desnecessariamente) complexas.
Como a banca cobra o conhecimento da matéria de formas distintas nas duas fases, o enfoque dos estudos também tem que ser ajustado a cada uma delas, em respeito ao princípio da especificidade. Se me perguntassem como aconselharia o estudo da Língua Inglesa com foco apenas no CACD, proporia as seguintes abordagens, segundo seu nível de conhecimento:
Nível iniciante: desenvolva primeiro sua habilidade de leitura. Seu vocabulário se desenvolverá naturalmente. Dê preferência a textos básicos, encontrados em materiais de Inglês Instrumental, e que tenham alguma pertinência temática em relação aos assuntos do concurso, ou seja, versem sobre Política Internacional, Economia, História, etc. Esse momento inicial é importante para familiarizar-se com a morfossintaxe do idioma e identificar padrões. O aprendizado da gramática elementar será orgânico e intuitivo, nesse momento, mas não faz mal algum estudar paralelamente as lições da English Grammar in Use, de Raymond Murphy, que, inclusive, tem um aplicativo de celular bem interessante.
Níveis básico e intermediário: o candidato já é capaz de ler e compreender um texto simples e de escrever frases que fazem sentido, embora com vocabulário limitado. A gramática deve ser estudada para amparar as necessidades de expressão do candidato. O foco deve ser ainda em muita leitura, em nível crescente de dificuldade, e escrita básica, sempre que possível. O vocabulário deve ser praticado sempre em novos contextos, seguindo as orientações que virão adiante.
Nível avançado: concentre seus estudos em obras clássicas e bem escritas, de preferência que versem sobre os assuntos do concurso, com foco no domínio do estilo e no incremento vocabular. É o momento também de estudar gramática de forma mais ativa: dedique-se à análise e aplicação de estruturas sintáticas e construções mais avançadas, encontradas facilmente em gramáticas de nível pós-avançado (inversões de texto, aplicação da ênfase, relações de subordinação e coordenação das orações, etc). Treine essas novas estruturas em seu texto ao tempo em que tenta aplicar as novas frases, palavras, phrasal verbs e expressões idiomáticas que aprendeu. Faça exercícios avançados de gramática para garantir que não deixou nenhuma lacuna de conhecimento. O melhor livro de gramática nesse nível é a Advanced Learners’ Grammar, de Mark Foley. Leia e escreva muito. Quando cansar, escreva um pouco mais.
Perceba que, ao chegar ao nível avançado de domínio das competências linguísticas específicas da prova (resumo, tradução, versão, redação, gramática e vocabulário), o candidato já está preparado para as duas fases do certame. Às vésperas da primeira fase, o foco deve estar na familiarização com as habilidades da prova. Treine o máximo de questões de provas anteriores que conseguir. Sinta a pegada da banca. Identifique padrões de questões que se repetem e os tipos de pegadinhas. Aprenda e aplique a diferença entre interpretação e compreensão de textos. A banca sabe. Por isso, você abordará cada questão com prismas analíticos diferentes. O próprio enunciado da questão quase sempre trará dicas de como fazê-lo, com comandos do tipo “it can be inferred from the text that…”, ou “in the text, the author says that…”. Na segunda frase, dependendo do contexto, uma mudança do verbo de elocução “says” para “implies” poderia inclusive alterar o gabarito do item!
Para a segunda fase, refine sua habilidade de escrever resumos. Alguns poucos serão suficientes para afiar o lápis. Tenha um profissional treinado em CACD para corrigir suas redações. Use as dicas direcionadas a candidatos avançados que coloquei acima.
Quanto às traduções, a melhor forma de abordá-las é um treinamento específico: pratique com textos relevantes, retirados de obras atinentes às matérias do concurso. Tente obter textos bilíngues e prive-se de ver a versão inglesa, ao tempo em que tenta escrever sua própria versão com base no texto em português. Ao terminar, coteje sua tradução com a do autor. Pergunte-se, a cada divergência, qual das duas traduções foi mais fiel ao texto-base e por quê. Cada palavra e frase utilizada em sua versão deve estar adequada ao registro linguístico pretendido na peça original. Não traduza formalmente uma frase informal.
Para finalizar, apresento algumas práticas que podem impulsionar a qualidade de seus estudos dos idiomas estrangeiros desde o início de sua preparação:
- Construa e cultive seu dicionário pessoal e organize-o por tema. Incremente o método criando mapas mentais temáticos, estruturados por grupos semânticos;
- Leia livros em inglês sobre as outras matérias. É uma ótima ideia começar os estudos lendo Raízes do Brasil (Roots of Brazil), se seu nível permitir. Faça isso sempre que possível. Leia sobre História Mundial na versão inglesa do Mastering World History, de Norman Lowe;
- Mantenha um registro das construções e estruturas sintáticas mais interessantes que você encontrou ao longo de seus estudos. Para escrever bem, ler bem é fundamental. Emular o estilo dos autores dessas frases é uma ótima forma de melhorar seu próprio;
- Compile também as citações interessantes com que se deparou em todos os idiomas;
- Escreva um diário em vários idiomas. Alterne as línguas a cada dia, se desejar;
- Para cada duas ou três redações em português, escreva uma em um outro idioma. Privilegie o inglês;
- Estudar inglês por filmes e audiobooks, e até por aulas dadas em inglês (pasme!), é uma péssima ideia, já que fere a lógica da especificidade. Além disso, não há paralelismo rítmico entre as atividades de escrever vs. assistir/ouvir. Em outras palavras, seu cérebro opera em cadências diferentes quando estimulado por um ou outro gênero de atividade, com arranjos distintos do equilíbrio eletroquímico dos tipos onda que produz. Tudo isso afeta a forma como absorvemos o conteúdo e como conseguimos reproduzi-los na hora da prova. É por isso que atividades mais específicas (mais parecidas com o teste real) geram melhor transferência (resultado);
- Aulas de inglês em cursinhos de conversação conseguem ser uma ideia pior ainda. Imagino que nem preciso explicar por quê;
- Encontre relevância em tudo que estuda: tente usar as palavras de seu dicionário próprio ou mapas mentais nos textos que escreve. Pense em contextos práticos de prova em que essas palavras poderiam ser cobradas (primeira fase) ou usadas (segunda fase);
- Sempre que ler um texto em outra língua, responda as seguintes perguntas: Quais foram as palavras mais importantes que aprendi? Em que contextos relevantes da minha vida elas podem ser úteis? Quais delas eu provavelmente esquecerei se não usar? Quais delas nunca esquecerei? Quais dessas construções que têm maior valor expressivo-argumentativo?;
- Vá estudando a gramática à medida que toma consciência de seus erros durante a composição de seus textos. Se, por exemplo, ao ver corrigida uma redação em inglês, você identifica que cometeu a maioria dos erros em pontuação, dedique-se a estudar apenas aquele assunto até dominá-lo. Na próxima redação, a pontuação deverá deixar de ser um ponto fraco, enquanto um outro novo se evidenciará. Ataque sempre seu ponto mais fraco primeiro. A gramática precisa de contexto para fazer sentido.
Este texto apenas joga um pouco de luz sobre o tema, sem pretensões de pregar verdades universais: as pessoas aprendem outros idiomas de várias formas, muitas até contra-intuitivas. É apenas minha visão, fruto da experiência profissional (como professor e orientador para o CACD) e pessoal (como aprendiz) que tenho com o estudo de idiomas estrangeiros, uma de minhas paixões.
Por isso, sempre que sugiro um método ou técnica de estudo (não só de línguas), procuro medir seu valor sob a ótica da especificidade e da transferência que a atividade terá no momento da prova. Métodos mais específicos tendem a ter melhor transferência. A atividade de ler e interpretar textos, por exemplo, terá mais utilidade para a primeira fase (objetiva) do que os exercícios de tradução ou até as redações. Sempre que adotar uma atividade ou técnica, esteja consciente da razão pela qual o fez. Se isso parecer óbvio para você, não é para a maioria das pessoas. Essa falta de foco e de senso de objetivo revela-se (ou esconde-se) muito sutilmente em todos nós.
Revolto-me quando vejo amadores (que nunca passaram na prova ou jamais lecionaram uma matéria em nível avançado) se apropriando de uma autoridade que não têm e excretando dicas prejudiciais à sua preparação. Esquecem-se de que a prova dos idiomas do CACD é de natureza defensiva, isto é, você recebe um punição pelos erros maior do que o prêmio que recebe pelo acerto. Essa noção tem implicações metodológicas fundamentais: as atividade de estudo devem ter o objetivo pedagógico prioritário de desenvolver sua competitividade nas competências lingúisticas exigidas pela prova, quais sejam, a redação, o resumo e as duas modalidades de tradução. A consolidação da gramática, a técnica de leitura e a ampliação do vocabulário são, portanto, benefícios adicionais que se conquistam naturalmente pela prática das competências.
Marcílio Falcão
Diplomata
Marcílio Falcão (@falcao.marcilio) é diplomata de carreira há quase 12 anos e orientador para o CACD. Jornalista de formação, iniciou-se na docência há 23 anos e se dedicou, de forma intermitente, desde sua aprovação no CACD, à preparação de outros candidatos ao concurso.
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