POR MARCÍLIO FALCÃO
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Quando as técnicas de estudos atrapalham e por que devemos estudar da forma como seremos cobrados.
Sérgio Mallandro, ícone do humor da década de 80, conquistou fama principalmente pelas pegadinhas que pregava e pela irreverência de jamais levar nada a sério. Em apresentação de stand-up, há uns quantos anos, Mallandro disse que não comparece mais a funerais. Nos últimos em que marcou presença, não conseguia lidar com a algazarra de ver os presentes beliscando o defunto, puxando os cabelos dele e chacoalhando o féretro, indignados: — Como é que você faz um negócio desses, Juca!?!? Levanta desse caixão! Que brincadeira sem graça: já vi que Sérgio Mallandro ‘tá’ aí! Mas o falecido nunca levantava! O humor é uma marca tão presente na personalidade dele que era mais fácil acreditar que um morto estava vivo do que conceber a remota possibilidade de ver Sérgio Mallandro sem fazer piada por alguns instantes. De tanto transpirar humor, tornaram-se indissociáveis.
Esperto como Mallandro (com “-ll”), o aspirante a diplomata quer deixar-se impregnar pelo concurso. Tornar-se aquilo que estuda. Não só respirar o conteúdo, mas transpirá-lo, sobretudo. A aprovação no concurso tem que ser um desfecho inevitável de um projeto impecável. Montar planos infalíveis, contudo, não é uma tarefa prosaica. Exige a eliminação de métodos que apenas tangenciam o objetivo traçado e a fragmentação de tarefas mais complexas em partes menores, mais palpáveis, portanto. Por outro lado, se não temos claros os objetivos, como definir métodos?
Um erro grosseiro do candidato desavisado é que ele, muitas vezes, embora ciente, mas não consciente, das características de cada etapa, põe-se a estudar incessantemente, com foco no cumprimento do edital, quase sempre seguindo um calendário de estudos elaborado por um cursinho ou mentor(a), que, por sinal, nem passou na prova. Acha que só o que importa é aprender, absorver conteúdo. Preocupa-se mais com o volume do que estuda (input) do que com a forma como se expressa sobre ele (output). Aplica técnicas de estudo (marcações no texto, resumos, mapas mentais, uso de marca-texto, SQ3R, flashcards, fichamentos, anotações, etc.) indiscriminadamente, esquivando-se da noção de que cada uma tem um contexto próprio, muito específico, em que produz seu melhor efeito. Fora dele, são praticamente inúteis.
Conquanto seja desejável o domínio de um vasto repertório de técnicas de estudos, ele dá conta de apenas uma faceta requerida para a aprovação na prova, a saber, o conhecimento do conteúdo. Infelizmente, tão somente dominar os assuntos do edital não basta. É imperativo, no CACD, o desenvolvimento da capacidade de escrever um texto dissertativo extremamente claro, interessante, expressivo, tecido com boa argumentação e rico em conteúdo. Não é à toa que, estatisticamente, o 30º colocado na primeira fase tem mais chances de ser aprovado do que o próprio primeiro lugar daquela etapa! Ao que tudo indica, o esforço despendido na memorização das notas de rodapé e a busca pela perfeição na etapa inicial roubaram valiosas horas dos exercícios de escrita (que fizeram falta nas fases subsequentes) daqueles que historicamente ocuparam o topo do ranking na primeira fase.
Por isso, peca quem estuda com ênfase desproporcionalmente alta no input. Uma preparação eficaz exige o desenvolvimento de um conjunto de habilidades (além do perfil de diplomata) que transcende o mero conhecimento dos temas cobrados. Aptidões físicas e mecânicas, inclusive. Algumas delas devem ser escaladas desde o início da temporada. Já outras têm hora certa para entrar em campo. À guisa de exemplo, cito a caligrafia (ou você acha que o examinador, por mais imparcial que seja, não vê com melhores olhos uma letra bem desenhada?); a capacidade de escrever com e sem rascunho; a calibragem do tempo de realização das questões discursivas; o preenchimento da folha de respostas da etapa objetiva; a análise de custo-benefício de deixar itens em branco na primeira fase; a apreensão da pegada da banca e de como o examinador pensa durante o processo de confecção das provas; a habilidade de decifrar os enunciados das questões; a manutenção da concentração ininterrupta por um período de 3-4 horas; a adaptação de seu ciclo circadiano ao horário da prova, etc. Poderia passar horas listando fatores alheios ao próprio conhecimento do assunto, mas que são igualmente relevantes para seu sucesso.
Como disse em outro texto (e não é ideia minha), o topo de qualquer estrutura hierárquica é ocupado pelos indivíduos que se comunicam melhor, ou seja, que conseguem persuadir aqueles de quem depende sua ascensão. Ora, no CACD, esses decisores são os membros da banca, e sua comunicação com eles se dá por meio do texto, seu instrumento de persuasão e sedução. Essa arte se aprimora (também no CACD) pela prática da escrita; pela exposição a perspectivas sofisticadas sobre os assuntos; pelo domínio de estruturas de argumentação e de ênfase; pela propriedade no uso da linguagem; pela demonstração de originalidade, de bom estilo e de capacidade analítica e expressiva. A banca não quer saber se você leu todos os livros ou se conseguiu concluir o programa interminável das aulas do cursinho. Nem se você teve dor de barriga no dia da prova, sofreu por amor ou passou sozinho o dia dos namorados. O que define sua aprovação é o produto final de seus estudos: os textos que você conseguir apresentar na hora da prova. Depois de dito parece óbvio, mas você se surpreenderia com o quanto as pessoas se confundem diante das distrações que surgem durante a preparação. É claro que tudo que foi estudado e o que você consegue produzir a partir do conhecimento adquirido são dois lados da mesma moeda. Porém, também no cara-ou-coroa, ganha quem escolhe a face certa.
Perceba que tratei apenas de requisitos exclusivos e específicos para a carreira de diplomata, dado o formato peculiar e a estrutura das provas. Cada concurso é um esporte distinto e exige a apropriação de um conjunto único de técnicas específicas. No âmbito do próprio CACD, inclusive, impõe-se uma preparação exclusiva para a primeira fase e outra muito diferente para as demais, mesmo quando as matérias e assuntos são os mesmos!
Ah, o princípio da especificidade de novo!
Para compreender melhor essas diferenças, tomemos de empréstimo o conceito do princípio da especificidade — amplamente aplicado no desenvolvimento de atletas de alto desempenho. Ele indica que a rotina de treinamento deve ser concebida e construída sob a perspectiva dos requisitos da atividade a ser desempenhada. Por exemplo, um desportista que se prepara para uma competição de levantamento de pesos verá seu cronograma de treinamento se tornar mais específico, ou seja, mais parecido com a situação real da competição, à medida que o tempo avança e o grande dia se aproxima. Nos meses que antecedem a prova, fará atividades mais genéricas, com o objetivo de evoluir em aspectos transversais da preparação: condicionamento cardiovascular, ganho de massa muscular, explosão, flexibilidade, capacidade de trabalho, desenvolvimento de musculatura auxiliar, etc. Às vésperas da competição, ele modula seus treinos e sua rotina: adapta seu ritmo circadiano àquele do dia da prova (sono e alimentação), reduz o número de exercícios, de séries e de repetições durante os treinos, pratica com o equipamento exigido e executa cada movimento de treino com o rigor técnico que será imposto pelos árbitros.
Como dito, os métodos eleitos devem ser coerentes com o objetivo desejado. Eles têm que ser específicos, acima de tudo, para permitirem melhor transferência dos benefícios do treino para o resultado final. Nada pode fazer mais sentido para o treinamento de um atleta que participará de uma disputa de salto vertical que dedicar a maior parte de seu tempo de treino ao ato de praticar aquela modalidade precisa de saltos. Qualquer método alternativo (musculação, saltos horizontais, pular corda), por mais que traga algum benefício (transferência), nunca será tão eficiente quanto o específico. Podem complementar o programa — com a ressalva de que sua utilidade não deve ser superestimada — mas nunca substituir a atividade principal, específica, portanto.
Como o esporte do aspirante a diplomata é o certame de admissão à carreira, cada etapa reclama do candidato um conjunto de habilidades precisas e até previsíveis. A primeira fase, como se sabe, avalia o conhecimento de uma quase infinidade de informações relativas ao conteúdo das matérias, além da capacidade de compreensão, interpretação passiva e julgamento de textos, dados e conceitos, em muitos sentidos comparável a um jogo dos sete erros, como bem observado por um aluno promissor. As fases discursivas (com alguma diferença entre elas na ênfase em um ou outro aspecto) exploram sua capacidade de argumentação, síntese, expressão, análise e persuasão por meio da produção textual.
Por tudo isso, a proposição de qualquer método de preparação genérico, pré-fabricado e importado de outros contextos que não sejam análogos ao de seu concurso é uma ofensa à sua inteligência e um desserviço ao seu projeto de aprovação. O genérico (ou melhor, o não específico) é ineficiente justamente porque a qualidade da apropriação de novos conhecimentos responde inexoravelmente ao contexto e ao método aplicado no aprendizado. No fim das contas, as técnicas de estudo que se esquivam do princípio da especificidade até podem ter valor em seus princípios, mas sua aplicação prática é duvidosa, quando não contraproducente.
Vale um exemplo: ouço repetirem, a torto e a direito, que aprendemos melhor ensinando, ideia derivada da Pirâmide de Aprendizagem, de William Glasser.
Embora seja uma técnica excelente, quer dizer, a melhor para o fim específico de dar aula, ela não é, contudo, a mais adequada para estudar para o CACD, nem nas fases mais avançadas do certame, já que a banca, em momento nenhum, avalia sua capacidade de dar aulas! Nesse sentido, o método de dar aulas não tem como ser melhor do que escrever sobre a matéria estudada (quando o foco é a segunda/terceira fase) ou fazer simulados objetivos (quando o foco é a primeira fase, e mesmo assim, com parâmetros muito bem definidos). Dar uma aula exige uma série de atributos que escapam dos requisitos do concurso e sequer se relacionam a eles! É a escrita de textos dissertativos, semelhantes àqueles constantes das provas, que vai permitir a prática da sofisticação dos argumentos, da escolha de cada palavra ou jargão da matéria, das ideias e da estruturação dos textos da forma precisa como serão cobrados. Estude da forma exata como será avaliado, pois, como Sérgio Mallandro, nós nos tornamos gradualmente aquilo que mais fazemos.
O teste do tempo
A verdade é que os métodos mais eficientes para cada finalidade enfrentaram desde sempre (e com sucesso) um processo de seleção natural: o rigoroso teste do tempo. Já pararam para pensar que a aquisição e a transmissão de conhecimento e sabedoria fazem parte da história desde antes da criação da escrita? Será que apenas os métodos modernos e complexos (ou melhor, aqueles inventados e popularizados por cursinhos) são eficientes? Enquanto algumas técnicas de estudo que estiveram em voga na última temporada, como uma estampa de biquíni, vão caindo no esquecimento, outras, aparentemente mais requintadas, vão sendo impostas pelo mercado, embelezadas com rótulos cheios de siglas e salpicadas de pseudociência, com evidente menosprezo ao empirismo. Você acha que as melhores mentes da história construíam seus conhecimentos e se apropriavam dos conceitos mais complexos e profundos apenas grifando e colorindo apostilas e resumos, ou decorando mapas mentais computadorizados, feitos por outras pessoas?
O problema é que, ao néscio, o intuitivo e simples é insosso. Por isso, infelizmente, o candidato se engana quando acha que seguir métodos antigos e, portanto, quase evidentes, como escrever sobre o assunto estudado (não tão somente resumir, mas construir reflexões sobre o conteúdo) está fora de moda. Ele tem a impressão de que, para aprender, deveríamos investir o tempo em atividades mais elaboradas, complexas, sofisticadas, esotéricas. Estudar não pode ser simples assim! Mas é: a complexidade é sedutora, mas traiçoeira.
Quando vejo um pretenso guru de concursos apresentando seu método de quatro letras, cuja aplicação recomenda para todos os concursos, me compadeço de quem gasta dinheiro com esse tipo de coisa. Não que o faça de má-fé. Se há ou não boas intenções, abstenho-me de especular. No andar de baixo, contudo, elas pululam. Na década de 40, a publicidade chegou a recomendar cigarros para curar dores de garganta, problemas digestivos e ansiedade.
O conselho de fumar para tratar males, por alguma razão, não resistiu à prova do tempo…
Em suma, quando o aluno adota a especificidade em seus métodos de estudo, até técnicas de aprendizagem consagradas (ou tidas como absolutamente verdadeiras) caem no vão da ineficiência. Vou além, e apedreje-me, se quiser: preocupar-se demais em estudar da forma como você acha que aprende com mais facilidade é uma distração! Não importa se a fonte da informação/conhecimento é um texto, vídeo, imagem ou esquema. O que você produz com base nesse material é que fará a diferença no final das contas. Esse produto, o texto, tem que ser específico e adequado aos objetivos. Você pode argumentar que aprende melhor com aulas, ouvindo o conteúdo ou fazendo exercícios. Que não gosta de ler. Ou que (acha que) não aprende escrevendo. A banca, por sua vez, não dá a mínima para como você gosta de estudar ou acha que aprende melhor. Ela vai lhe apresentar algumas questões por matéria e esperar que você produza textos interessantes, ricos em informação, articulados, expressivos e bem construídos sobre o tema indicado. Lide com isso!
Afinal, qual o melhor método de estudos para o CACD?
Depende da fase. Deixarei para comentar as duas primeiras fases em um texto futuro. O melhor vem antes: a terceira fase. Em poucas palavras — e isso é o mais importante que terei dito hoje —, nada pode ser mais eficiente do que escrever uma apostila sobre cada tema de cada matéria de terceira fase. Cada texto sobre cada tópico deve ser construído ao longo de meses com base nas leituras realizadas, reflexões, insights, aulas e conversas sobre o assunto. O material estará em elaboração contínua e possivelmente nunca alcançará uma versão final e definitiva. Toda visita ao caderno eletrônico deve ser uma oportunidade de revisão nos dois sentidos: de recapitulação do assunto e de aprimoramento/enriquecimento do texto. Essa será, aliás, a melhor forma de relembrar o conteúdo. Cada contato com o tema, por meio de nova fonte de estudos, deve ser seguido por uma revisita ao texto, sempre com vistas a melhorá-lo. Quanto pior você achar a versão anterior do texto quando a ler, melhor: é uma indicação de que seu entendimento do assunto e a qualidade de sua redação evoluíram. A linguagem utilizada deve ser a mais próxima da esperada pela banca. Use e abuse do jargão da matéria, sem se esquecer de aplicar sua capacidade analítica, sem pedantismo. Valha-se de conceitos, citações, dados e fatos importantes para montar o texto e, principalmente, acrisole-o, ao longo do tempo, como se o objetivo fosse criar uma versão dele que se pudesse destacar e transplantar para a prova. É inevitável que os primeiros textos se assemelhem mais a resumos wikipedianos (o que não é ruim, muito pelo contrário!) que a obras primas. Não se preocupe: com o amadurecimento intelectual e a exposição a várias fontes de estudo, eles ficarão bons o suficiente. Você não tem ideia do valor que essas apostilas terão depois de um ou dois anos! Perto delas, todos os livros que leu ou cursos que fez se apequenam, não só porque seus textos reunirão todas as informações necessárias sobre as matérias, mas principalmente porque serão a materialização, na forma mais concreta e palpável que se pode imaginar, do conhecimento moldado e polido no decorrer de toda sua preparação.
Marcílio Falcão
Diplomata
Marcílio Falcão (@falcao.marcilio) é diplomata de carreira há quase 12 anos e orientador para o CACD. Jornalista de formação, iniciou-se na docência há 23 anos e se dedicou, de forma intermitente, desde sua aprovação no CACD, à preparação de outros candidatos ao concurso.
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