Marcílio Falcão: Olá, tudo bem? Tenho o grande prazer de trazer hoje uma entrevista com o Embaixador Rubens Ricupero. Eu sempre quis fazer essa entrevista. Para mim é, de certa maneira, um sonho que se realiza. O embaixador Ricupero é o diplomata que eu mais admiro na nossa carreira e queria trazer para vocês essa oportunidade de conhecer um pouco da carreira do embaixador, um pouco de sua obra também e trazer um pouco de inspiração para vocês nessa jornada tão complicada que é a preparação para o Concurso de Diplomata.
Embaixador, muito obrigado por me receber em sua casa para esta entrevista. É um grande prazer. Eu fico envaidecido, também, por ter a oportunidade de conversar com o senhor. O senhor já sabe, eu já lhe disse isso tantas vezes que o senhor já deve estar cansado de ouvir. O senhor é o diplomata que eu mais admiro na minha carreira por tudo o que o senhor fez, pela sua trajetória.
É de fato uma inspiração tanto para quem já é da carreira, mas também muito para quem pensa em um dia ser diplomata. Ter esta oportunidade de conversar com o senhor é ajudar muita gente, como o senhor estava falando agora há pouco, me faz uma pessoa mais satisfeita, mais ciente da responsabilidade que é trazer um pouco de esperança na vida das pessoas que almejam a nossa carreira.
O senhor veio de uma família de imigrantes italianos para São Paulo e, naquela época, a notícia de que a prova foi elaborada pelo Guimarães Rosa, uma delas uma guerra. E o senhor foi primeiro colocado nessa prova. A gente queria saber um pouco, a título de curiosidade, como era o processo seletivo na época, como foram as etapas e como foi essa superação ao ser aprovado em primeiro lugar?
Rubens Ricupero: Muito obrigado. Para mim é sempre uma oportunidade desafiadora tentar falar da minha experiência de vida. Eu gosto muito de me dirigir a moças e rapazes que estão nessa fase difícil de definição, e eu sempre repito a eles uma frase de um livro de um colega de infância do Jean-Paul Sartre. E ele dizia: "Eu tinha 20 anos. Nunca permitirei que se diga que é a idade mais feliz da vida", porque eu sei que essa idade – 20 anos, 17, 16, 18, 19, o começo da vida – é um período de muita incerteza, muita insegurança. Isso não foi diferente no meu caso. Eu sofri muito até encontrar o meu caminho, e para mim é sempre um estímulo tentar fazer com que a minha experiência possa servir de reflexão para outros.
No meu caso, como você disse, eu sou de uma origem modesta. Nasci aqui em São Paulo, no bairro do Brás, que era um bairro típico naquela época; era o bairro de imigrantes italianos por excelência. Meu pai tinha um armazém de secos e molhados. Minha mãe era uma pessoa também de prendas domésticas, mas meu pai lia muito, e minha mãe gostava de escrever. E na família de minha mãe havia uma tradição. Meu tio, o irmão dela, tinha sido um líder sindical na época do Partido Comunista, ainda nos anos 30. Um outro primo meu também foi presidente do Sindicato dos Bancários, também comunista, e isso ajudou a me politizar. Eu nunca tive atração pelo comunismo em si, pela via do stalinismo da época.
Mas eu nasci em 1937, em março, dois anos e meio antes da eclosão da Segunda Guerra Mundial. Você vê que faz muito tempo, eu tenho 88 anos de idade. E a guerra, sobretudo aquele ambiente da minha casa, que era muito politizado, teve muita influência sobre mim. Eu me lembro ainda, quando eu era menino pequeno, de ler nos jornais, na primeira capa, as manchetes do avanço do Exército Vermelho em direção a Berlim, as fotografias do comandante, o marechal Zhukov. Eu me lembro, depois, em 46, eu tinha apenas nove anos de idade, e eu já lia e acompanhei as narrativas dos Julgamentos de Nuremberg, dos criminosos de guerra. Eu atribuo um pouco a isso o meu interesse por temas internacionais.
Sempre eles me atraíram muito. Quando chegou a hora de escolher uma profissão, eu bati muito a cabeça. Eu queria ser engenheiro de Minas por influência de um livro do Monteiro Lobato, O Poço do Visconde. Mas eu comecei a fazer o cursinho e vi que eu não gostava daquilo, das ciências exatas, e penei muito, porque eu gostava mesmo era de História, História Política, Literatura. E fiz exame para a Faculdade de Direito. Não era bem o que eu queria. Fiz exame também para Economia, para Letras Neolatinas. Na Faculdade de Direito encontrei um amigo que já morreu há muito tempo, goiano, o Arrhenius Fábio Machado de Freitas, foi diplomata. Ele que me falou do Rio Branco, da diplomacia, e ele se transferiu para o Rio e, do Rio, me mandou os programas e até a cópia mimeografada dos exames de 1957.
Eu me animei porque eu vi que era difícil, mas dava para tentar, e me preparei com muito afinco. Isso é um conselho que eu darei a quem quer fazer o exame de ingresso. É preciso, na hora da preparação, se dedicar de corpo e alma. Eu, por exemplo, todo dia eu me impunha uma disciplina: eu escrevia uma pequena redação em português, uma versão para o francês, para o inglês. Mesmo quando eu estava cansado, pelo menos algumas linhas eu fazia questão de escrever todo dia, todo dia. Não me permitia nunca deixar de fazer isso, porque só eu sabia. Escrever é uma arte que se aprende como tocar violino: se você não tocar todo dia, o teu dedo perde a sensibilidade. Quem toca violão sabe disso também; tem que saber as posições.
Então, eu me dediquei muito. Depois, a parte de conteúdo foi na base da leitura. Eu tomei o programa e segui. Fui me preparando. Interessaram-me mais, é claro, História – a História Mundial, História do Brasil –, Geografia. Mas os outros temas também. O meu exame ocorreu em 58, você vê, faz muito tempo. Abaixo ao fazer conta. Hoje em dia são 60 e tantos anos, quase seis na primeira tentativa. E eu, muita gente me dizia: "Olha, não adianta, você não conhece ninguém lá, tem muita proteção, tem que ter pistolão e precisa ter parentes diplomatas. Você tem um nome até estrangeiro, senão desista". Tudo isso era falso. Eu logo vi que o Itamaraty, já naquela época, era absolutamente isento. Era um dos exames mais bem feitos que eu já vi.
Era impossível identificar quem estava fazendo o exame, não havia proteção nenhuma, e o que valia era o mérito, era a capacidade. Naquela época, o exame começou em setembro. O meu primeiro exame... Eu descobri uma carta que eu escrevi aos meus pais do dia 9 de setembro de 1958. Era um sábado, um sábado de manhã, naquela biblioteca do Itamaraty, o velho Itamaraty do Rio. E eu sabia que a redação era eliminatória, então eu já havia treinado muito a redação. Isso é um conselho que eu dou aos que se preparam, independentemente de fazer ou não o Itamaraty ou qualquer carreira: saber se exprimir bem, verbalmente e por escrito, com clareza, com objetividade, com simplicidade, é meio caminho andado em qualquer carreira, mesmo nas científicas, mesmo nas técnicas.
A pessoa que vai para uma entrevista de emprego, se ela sabe dizer o que ela quer, ela já sai na frente de todo mundo. Eu atribuo muito a esse treinamento que eu fiz – porque isso exige treinamento – o fato de que eu passei, e passei muito bem, porque eu acho que em muitos e muitos temas eu não era o que conhecia mais, mas eu sabia explicar bem o que eu queria dizer.
E os exames foram se seguindo. Eram todos eliminatórios. Nós fomos ficando um pequeno grupo. No final, o último exame, que era apenas classificatório, era o de Cultura Geral, e os examinadores eram João Guimarães Rosa e o Renato Ribeiro, que tinha publicado também, um folclorista famoso e tudo. O João Guimarães Rosa tinha acabado de publicar, dois anos antes, O Grande Sertão: Veredas, e foi ele quem fez o exame. E ele chegou a ver a minha prova, porque era uma prova escrita longa, não tinha prova oral. Esse era o único que não tinha oral. Então, você escrevia, e ele dava cinco, seis horas. Eu entreguei minha prova. Eu vi que ele olhou, e ele até ficou um pouco intrigado, que a minha prova terminava com uma frase que era um verso de Camões, que dizia: "Mas o melhor de tudo é crer em Cristo".
E ele não conhecia o verso, e ele veio falar comigo. Então eu conversei com ele, me deu a nota máxima, foi muito bom. Eu entrei e comecei a fazer o curso. Foi aí que eu comecei minha carreira, me transferi para o Rio. Eu era de São Paulo, tinha família modesta, não tinha dinheiro, e eu sobrevivi graças à bolsa do Itamaraty, que não era grande coisa, mas que deu para eu alugar um apartamento junto com um colega, que eu dividia.
Marcílio Falcão: O senhor no começo da carreira, embaixador, trabalhou com o San Tiago Dantas, com o Afonso Arinos, serviu em Quito, Buenos Aires, Washington. Como é que foi esse momento de pós-guerra, aquele conflito de gerações que o senhor enfrentou no Itamaraty? Houve, de certa maneira, uma revolução na maneira como o Brasil conduzia sua política externa?
Rubens Ricupero: Sim, houve. E eu posso dizer que, de certa forma, eu fui afortunado, porque eu terminei o Rio Branco em 60 – porque eu cursei 59, 60 – e eu comecei a trabalhar em 61, no Rio de Janeiro, justamente quando, um pouco antes de o Jânio Quadros tomar posse. Ainda era o Juscelino. Mas eu logo me voluntariei para ir para Brasília. E eu conto essa história a vocês porque mostra como na vida não se pode planejar muito. Eu tinha sido designado para o que era considerado na época a divisão de mais prestígio do Itamaraty, que era a Divisão Política, porque eu tinha sido o primeiro aluno da turma. Então, como uma espécie de prêmio, você ia para essa divisão. Mas logo se abriu o voluntariado para aqueles que queriam ir para Brasília, porque Brasília tinha sido inaugurada um pouco antes. Sabe que Brasília foi inaugurada em 1960, abril de 60, e o Itamaraty demorou dez anos para ir. Mas o Itamaraty queria ter um núcleo lá de quatro ou cinco pessoas. E abriu o voluntariado. E eu fui um dos primeiros voluntários. E, na época, me disseram: "É uma loucura o que você está fazendo. Você vai mergulhar no anonimato, você vai se tornar desconhecido antes de se tornar conhecido, enquanto aqui, não. Aqui você pode ter trabalhos importantes, pode se fazer notar".
Acabou sendo o contrário. Sabe, eu fui para Brasília – eu vou dizer a verdade –, não foi por puro amor à aventura. Eu fui porque eu ganhava pouco no Rio de Janeiro. Era difícil sobreviver. Eu já estava noivo, não havia hipótese de eu poder casar. E em Brasília se dava a "dobradinha", se pagava praticamente um salário dobrado, porque a vida era difícil. E, além do mais, havia uma pequena gratificação de gabinete. Em Brasília havia uma seção do gabinete do ministro. Não era um gabinete de verdade, porque o gabinete de verdade eram aquelas pessoas que o ministro escolheu. O ministro nem sabia quem eu era. Os que estavam em Brasília eram aqueles que foram voluntários. O meu chefe era o conselheiro Maury Gurgel Valente, casado com a Clarice Lispector. Ele estava se separando, mas eu conheci a Clarice. Ela foi a Brasília. Minha mulher, que nós já tínhamos casado, conheceu bem a Clarice.
Em Brasília aconteceu o seguinte: ao contrário do que todo mundo pensava, eu passei a conviver com o ministro. Uma vez, o ministro, que era o Afonso Arinos de Mello Franco, veio até almoçar na minha casa, porque não havia restaurante. Havia dois restaurantes. E em Brasília todo mundo se conhecia. Conheciam-se os ministros do Supremo, os deputados, senadores. Eu era encarregado de relações com o Congresso. Então, acabou acontecendo o contrário do que tinham me vaticinado. Por isso que eu digo: você, às vezes, pensa que está planejando a vida, e não é o que acontece. E eu acabei sendo testemunha da renúncia do Jânio Quadros. Assisti a todas aquelas grandes mudanças. Agora, a grande mudança para nós, diplomatas, foi o início da Política Externa Independente. Por quê? Porque vocês precisam lembrar o contexto da época. 1961 era o auge da Guerra Fria. Foi a época em que houve a crise de Berlim. No ano seguinte, houve a crise dos mísseis de Cuba, que quase leva o mundo a uma guerra. Então, a Guerra Fria era o que dava o tom. O que era a Guerra Fria? Era um conflito ideológico em torno do comunismo, que dividia o mundo em dois campos: de um lado, as democracias ocidentais, os regimes capitalistas – o líder era os Estados Unidos, a Europa, o Japão; do outro lado, a União Soviética, os países comunistas, a China, que também tinha feito a sua revolução. E havia o antagonismo absoluto.
O Brasil, durante muitos anos, durante os anos 40, 50, tinha se tornado um país totalmente alinhado ao bloco ocidental. Claro, porque o Brasil é um país de cultura ocidental, os valores do Brasil – a democracia, a liberdade, as eleições, os direitos humanos – são ocidentais. Só que havia uma confusão na época. Os dirigentes brasileiros, eles temiam acima de tudo o comunismo como ameaça interna, como ameaça subversiva. O Partido Comunista não era legal, não podia disputar as eleições, e esses dirigentes olhavam para o mundo como se fosse uma continuação da luta interna, em que os Estados Unidos, líder da campanha contra a União Soviética, no fundo, faziam aquilo que o Brasil fazia internamente. Então, para o Brasil, se alinhar aos Estados Unidos não era desdouro, era simplesmente o seu interesse próprio.
Mas isso tinha levado a uma deformação porque tudo no mundo era visto pelo prisma da Guerra Fria. Por exemplo, a guerra civil em Angola, Moçambique e Guiné era uma luta de libertação, mas na época se interpretava aqui que quem está dando armas é a União Soviética, a China. "Ah, então são os comunistas que vão sair ganhando. Nós temos que ser contra". Então, o Brasil era contra todas as lutas de emancipação. Via o mundo pelo prisma da Guerra Fria. A grande originalidade do Jânio Quadros – já vinha se preparando antes, mas foi ele –, a grande originalidade dele foi inaugurar essa Política Externa Independente. O que significa "independente"? Independente, como dependência, é sempre em relação a alguém ou a alguma coisa. Na época, era a dependência em relação aos Estados Unidos, à visão de mundo dos americanos.
Então, nós nos tornamos emancipados dessa visão, porque nós vimos que o nosso maior interesse... claro, nós queríamos que os valores ocidentais predominassem, mas, para nós, o mais importante era o interesse do desenvolvimento econômico e social, porque nós não tínhamos o desenvolvimento dos americanos, dos europeus. Isto é, para nós, as grandes questões eram as questões Norte-Sul, quer dizer, os países avançados e os países em desenvolvimento, os países emergentes. E nós não víamos isso refletido na Guerra Fria, porque a Guerra Fria era puramente uma questão que tinha a ver com Berlim, com a Alemanha, com a Coreia. Não tinha muito a ver com o Brasil. O Brasil pouco podia fazer nessa disputa. Então, a grande originalidade foi o Brasil começar a olhar com os olhos próprios. A começar, por exemplo, pela questão de Angola, de Moçambique. Nós saudamos a independência desses países. Depois, ainda não tinha ocorrido, mas começamos a olhar com outros olhos. Depois, no caso de Cuba, nós não rompemos com Cuba, porque nós queríamos que Cuba não ficasse isolada na época.
Então, eu tive a sorte de trabalhar com os homens que fizeram essa política, porque eu fui oficial de gabinete do Afonso Arinos e do Santiago Dantas. E havia uma tensão, porque o Itamaraty antes era muito daqueles tradicionais, que olhavam isso tudo como um afastamento do Ocidente. E nós tínhamos que mostrar que não era um afastamento, era apenas a busca do nosso próprio interesse, sem tomar partido. Quer dizer, o nosso partido era o Ocidente, mas nós queríamos que o mundo internacional refletisse mais a preocupação do desenvolvimento, não apenas as preocupações ideológicas. Foi essa a grande experiência que eu tive nessa época, da qual eu nunca me desviei, porque hoje é a linha da diplomacia brasileira.
Marcílio Falcão: E logo depois disso, embaixador, o senhor participou de todo o processo de redemocratização do Brasil, fez parte do Gabinete Civil, da Casa Civil, do presidente Sarney. Como é que foi essa experiência, embaixador, de sair um pouco da diplomacia e entrar na carreira política?
Rubens Ricupero: Você vê, também, aí é interessante que não houve nada de planejado. Hoje em dia é muito comum diplomatas vão trabalhar em outros ministérios. No meu tempo, isso não era. Havia alguns, mas era pouco. Eu, por exemplo, fiz toda a minha carreira dentro do Itamaraty. E eu cheguei a embaixador. Tirando essa pequena experiência no início de um Gabinete, que não era bem gabinete, eu nunca trabalhei no gabinete de nenhum chefe de departamento. Eu sempre estive nas divisões que faziam o trabalho braçal, vamos dizer o trabalho principal, sobretudo, primeiro na Divisão de Difusão Cultural e depois na Divisão da América Meridional, depois no Departamento das Américas. Mas aí também eu já era ministro de primeira. Eu fui promovido quando eu era chefe do Departamento das Américas, mas nessa ocasião é que ocorre a minha saída do Itamaraty, também por obra e graça desse fato de eu ter ido para Brasília porque quando eu estava em Brasília, em 61, vocês sabem que o Jânio Quadros renunciou. Os militares não queriam dar posse ao João Goulart, então, adotou-se um regime parlamentarista, e o chefe do primeiro gabinete parlamentarista foi o doutor Tancredo Neves. Esse gabinete tomou posse no dia 7 de setembro de 1961, quando eu estava em Brasília, e eu era oficial de gabinete do Santiago Dantas, que era o ministro do Exterior. E eu era, ao mesmo tempo, o elemento de ligação entre o Santiago Dantas e o Tancredo. O Tancredo me conheceu nessa ocasião, e o chefe de gabinete dele, que era o sobrinho dele, o Francisco Dornelles, me conheceu também nessa ocasião.
Muitos anos depois, passaram-se os anos, 20 anos depois, em 1984, quando o Tancredo começou a se preparar para ser candidato a presidente – no início não se sabia se ia ser Diretas ou não –, ele me mandou convidar, por meio do Chico Dornelles, para ser assessor dele em política internacional. O Dornelles dizia que ele lembrava de mim daquela época. É possível. E o fato é que eu passei a trabalhar com ele. Ele foi eleito pelo Congresso em janeiro de 1985, e ele resolveu fazer uma viagem pelo mundo, porque havia muita incerteza se ele ia tomar posse ou não. Os militares não queriam abandonar o poder. E houve lá uma reunião para preparar a visita, e ele pediu que eu o acompanhasse.
Eu fui um dos poucos que o acompanhei na viagem. Nós fomos a Roma, ele foi recebido pelo Papa, pelo primeiro-ministro da Itália. Ele foi recebido pelo presidente Mitterrand na França. Depois fomos a Lisboa, primeiro-ministro de Portugal, pelo presidente. Ele foi a Madri, ao rei da Espanha. Aí fomos aos Estados Unidos. Ele viu o presidente Reagan, o vice-presidente Bush. Passamos pelo México, fomos à Argentina. Então, fizemos todo esse périplo. Quando nós voltamos, como vocês sabem, o Tancredo caiu doente no dia em que ele devia tomar posse. Mas ele já tinha mandado nomear o gabinete do Ministério e a Casa Civil. E na Casa Civil ele me nomeou subchefe especial da Casa Civil. Eu fiquei com o Sarney, que eu nem conhecia; conheci-o nessa época. Foram 45 dias angustiantes, até que o Tancredo morreu, e o Sarney quis que eu ficasse. E eu fiquei com o Sarney. Depois me tornei o assessor principal do Sarney, não só para política externa, também para a política interna. Fiquei com ele muito tempo, até que, quando nós estávamos em 1987, eu já estava no Brasil há dez anos, porque eu tinha voltado de Washington, onde eu era conselheiro. Em 77, eu tinha ficado dez anos. Já era hora de eu sair. Então eu pedi um posto, e o posto que havia na época eu escolhi era Genebra. E foi aí que eu tive que enfrentar o desafio grande.
Marcílio Falcão: Eu ia entrar nesse assunto, embaixador, perguntar um pouco como foi sua experiência como embaixador em Genebra. Nesse momento, o senhor participou das negociações do GATT, naquele contexto da Rodada Uruguai e, em seguida, Roma, Washington. Você pode falar um pouco dessa sua experiência como embaixador, como chefe de posto já no exterior?
Rubens Ricupero: Foi difícil. Isso eu conto também como uma experiência que talvez possa ser útil para os diplomatas e para qualquer pessoa, porque o posto que estava vazio na época em que eu queria sair era Genebra. Mas Genebra para mim tinha dois inconvenientes. Primeiro, que era um tipo de diplomacia em que eu não tinha nenhuma experiência, que era a multilateral. Eu, toda a minha vida, tinha servido em embaixadas bilaterais. Eu fui secretário de Embaixada em Viena, em Buenos Aires, no Equador, fui conselheiro em Washington, e eu nunca tinha trabalhado nem na OEA, nem na ONU, em nenhum órgão multilateral.
Você sabe, a diplomacia multilateral é como um parlamento, é diferente da diplomacia bilateral. E eu tinha receio, porque eu não sabia como eu ia me sair. Eu confesso a vocês que eu tinha até certos medos que eu partilho, porque não sei se todos têm isso. Eu, por exemplo, aprendi inglês tarde na minha vida, porque no começo, quando eu era jovem, quando eu era aluno de ginásio, a gente estudava mais francês. Eu fui aluno dos Maristas. O francês sempre foi uma língua mais fácil para mim. O inglês, eu sempre tive dificuldades. Eu falava com dificuldade de pronúncia. Então eu tinha medo de dizer assim: "eu já sou embaixador, mas como eu vou fazer num multilateral em que eu tenho que falar inglês assim, sem ter um texto escrito?". Então eu tomei aulas, eu tomei aulas para treinar e eu quis aprender a linguagem.
A outra dificuldade, que era ligada a essa, é que, além de ser o multilateral, em que eu não tinha experiência, era um multilateral muito econômico, porque, embora eu fosse embaixador junto às Nações Unidas em geral, a maioria dos organismos que estavam em Genebra, naquele ano o que dominava a missão era o GATT, o antecessor da Organização Mundial do Comércio, que naquele ano de 87 tinha começado a rodada mais importante da história do GATT, que foi a Rodada Uruguai. Ela durou de 87 até 92, e eu fui o embaixador, o negociador principal na maior parte do tempo, porque eu cheguei lá em novembro de 87 e só saí em 91, em meados de 91.
Então eu fiquei o tempo todo lá. E o GATT era um mistério. Naquele tempo, o pessoal que trabalhava no GATT, que é o pessoal da DPC, Divisão de Política Comercial, eles faziam um certo mistério, como se o GATT fosse assim uma espécie de apenas para iniciados, que conheciam aquelas siglas: antidumping, TRIMs, TRIPs, que eram palavras que para os outros não significavam nada. Eu me lembro até que, quando eu era chefe do Departamento das Américas, eu fazia questão de ler todos os telegramas selecionados da África, da Ásia. Os únicos que eu não lia eram os do GATT, que eu não entendia nada, porque aquele linguajar era difícil. Então eu me perguntava: "Como é que eu vou fazer? Eu já sou ministro de primeira, mas eu nunca trabalhei nisso, nunca estive na DPC".
Aí eu fui a bibliotecas. Eu conto a vocês. A gente tem que enfrentar os desafios se preparando. Eu fui à biblioteca, eu peguei os livros que tinha sobre o GATT. Não eram muitos, dois ou três. E eu li, li, estudei. E aí eu pegava, por exemplo, o discurso do Paulo Nogueira Batista, que era o meu antecessor. Ele tinha ido para a ONU. Então eu pegava os discursos dele em inglês, eu até lia em voz alta e tentava depois reproduzir, porque eu queria aprender aquelas fórmulas, como é que ele fazia. E tinha uma cadernetinha, uma caderneta em que eu anotava todas as fórmulas. Porque isso eu digo a vocês: tudo se aprende.
Eu cheguei a Genebra e fui lançado na cova dos leões, porque logo depois que eu cheguei, tinha uma reunião que era exclusiva só para os chefes de missão e um grupo pequeno. Era a reunião da Sala Verde, a Green Room. A Green Room era dirigida pelo Dunkel, que era o diretor-geral do GATT, Arthur Dunkel, um suíço muito austero, que conhecia muito aquilo tudo. E eram uns 15 ou 16 países, só os principais. A maioria não era chamada. Era apenas para discutir os grandes temas antes. Mas você não podia entrar com nenhum assessor. Então, quando eu entrei, eu confesso a vocês que eu entrei com o coração na mão, porque eu não conhecia ninguém, todo mundo se tratava por apelidos, não é? "Bob"... Então, todos em inglês, todos vestidos assim, muito à vontade.
Eu, logo de início, cometi uma gafe. Sentei num lugar que me disseram: "Aqui costuma sentar o representante da Comissão Europeia. É melhor o senhor sair". Eu tive que sair. Então eu me sentei lá e não sabia bem o que fazer. Quando começou a reunião, eu confesso a vocês que, por algum tempo, eu não entendia muito o que eles estavam falando, porque eles estavam falando com siglas: TRIPs, por exemplo, Trade-Related Intellectual Property Rights, TRIMs era Trade-Related Investment Measures. Então, eles só falavam uma sigla, não explicavam, e eu não sabia bem o que é que eles estavam falando. Uma hora, eu comecei a dizer: "Se eu não disser alguma coisa, eu nunca mais vou me afirmar. Eu vou ter que ir embora, porque eu vou sair daqui esmagado. Eu tenho que falar, seja lá o que for". Então eu fiquei esperando. Chegou uma hora em que eles começaram a falar da dívida externa. Naquele tempo, o grande problema era a dívida externa dos países em desenvolvimento, inclusive o Brasil. E isso eu conhecia, porque eu tinha trabalhado com o Sarney, tinha sido assessor. Aí eu logo me preparei, pedi a palavra, disse lá umas coisas, nada de especial. Todo mundo ficou me olhando, queriam ver como é que eu era, porque o meu antecessor, que era o Paulo Nogueira, ele tinha fama de ser um homem sarcástico. Ele era um grande, tinha uma grande experiência. Antes dele, era o Jorge Álvares Maciel, que era um monstro sagrado do GATT. Eu era o primeiro que não tinha nenhuma credencial. Então, todo mundo queria ver o que é que eu ia dizer.
Aí logo viram que era normal. Aí eu passei a fazer parte do clube. Mas eu conto isso a vocês porque no início eu não sabia nem se ia aguentar a noite. Eu me perguntava: "Será que eu vou aguentar? É melhor eu sair e pedir para ir embora. Vai ser um fracasso. Mas eu vou dizer: não, eu não aguento ficar aqui". No final, para surpresa minha, eu acabei sendo eleito presidente do Comitê de Comércio e Desenvolvimento do GATT, que era dos países em desenvolvimento. Eu fui, logo depois, eleito presidente do Grupo dos Países em Desenvolvimento, presidente do Conselho de Representantes, que é o órgão que todo mês se reunia, e acabei como presidente das Partes Contratantes, que era o cargo mais importante.
Eu me tornei um insider. Eu era um outsider e, no final, eu até descobri que eu até gostava de antidumping, essas coisas, porque nada disso tem segredo. Quando você começa a descobrir o que é, o que significa, se você se empenhar - é isso um conselho que eu quero também dar a vocês: seja lá qual for a tarefa que te derem, você tem que fazer isso da melhor maneira possível. Você tem que procurar ser imprescindível, de uma maneira tal que, gostem ou não gostem de você, precisem do seu trabalho. - Foi o que eu procurei fazer. Eu procurei conhecer. E agora, isso dá trabalho. Você tem que ler, tem que estudar, tem que ouvir as pessoas. E eu fui, aos poucos, me enfronhando naquilo. Acabei me tornando um… com todo o meu conhecimento, que depois me levou a ser ministro da Fazenda. Veio daí, do comércio internacional, que depois foi... Eu fui ser secretário-geral da UNCTAD também, que trabalhava com isso. Então, por que eu me interessei? Não era o meu interesse espontâneo. O que eu gostava mesmo era de política, não tanto de comércio, mas eu tinha que dominar aquilo e procurei dominar da melhor maneira possível.
Marcílio Falcão: E em Roma e Washington, embaixador, tem algum aspecto curioso da sua passagem por essas duas embaixadas?
Rubens Ricupero: Olha, eu começo com Washington, que de Genebra eu fui para Washington. Eu não queria ir, porque você vê como é que são as coisas. No final, eu estava tão contente no GATT, em Genebra, que, quando abriu a vaga de Washington e o ministro quis que eu fosse para lá, eu no começo não gostei da ideia, porque eu ia ter que sair da minha zona de conforto, que eu já tinha me instalado em Genebra, e eu tinha que ir para Washington, que eu já conhecia, mas em condições muito difíceis. Porque, você sabe, Washington é um posto em que o que conta é a importância do seu país para os Estados Unidos ou a importância do seu país como potência.
O Brasil, naquela época, estava muito mal, porque o presidente era o Collor e já tinha começado, já estava começando a ensaiar aquela decadência e depois começou o processo do impeachment. Então, o Brasil era visto como um homem doente da América Latina, porque na época o México era a menina dos olhos dos americanos. E eu cheguei a Washington em 91. Em 92, os americanos assinaram com o México e o Canadá a zona de livre comércio da América do Norte. E aí o México... o embaixador do México era a grande figura do corpo diplomático latino-americano. Os outros nem contavam. Mas o que vinha depois era o Chile, que era um país que tinha saído da inflação, da crise da dívida; a Argentina, que era na época o presidente Menem, o Cavallo era o ministro. Eles estavam querendo ter, como eles diziam, relações carnais com os Estados Unidos.
Então, o Brasil tinha uma prioridade muito baixa, muito baixa. E era desagradável, porque eu logo vi que no âmbito oficial não havia muito acesso para o embaixador do Brasil. Eu, então, resolvi me dedicar ao circuito dos think tanks. Eu comecei a participar de tudo quanto era seminário. Realizei alguns na própria embaixada. Então eu passei a ser uma figura conhecida em todos esses institutos: Woodrow Wilson Institute, eles me convidavam a tudo quanto era discussão. E com isso eu conseguia fazer passar a mensagem. Mas era difícil. Conto até um episódio: uma vez eu estava numa dessas reuniões, e o Larry Summers, que era o subsecretário do Tesouro, falou sobre a situação financeira mundial e falou da América Latina. Elogiou muito o México, o Chile, a Argentina. Depois falou muito mal do Brasil, como o Brasil como um país que era um caso perdido e tal. Aí eu, embora não estivesse previsto, eu me levantei, pedi a palavra. Houve um momento de suspense, e eu disse: "Olha, eu sou o embaixador do Brasil" – eu era o único diplomata lá –, "eu peço desculpa, mas eu vou fazer o meu comercial aqui. Eu ouvi o que o senhor disse. Com todo o respeito, certas críticas são procedentes, outras não. Não é a história por completo. O senhor esqueceu de dizer que o presidente Collor abriu a economia brasileira. De uma penada só, ele liquidou todas aquelas barreiras comerciais. Nós também estamos tentando, fazendo um esforço e tal. Ainda estamos longe, mas não é assim tão ruim". Me sentei. Mas aí ele insistiu. Ele disse: "Vocês viram? É por isso que o Brasil não vai avante. Porque o Brasil pensa que as regras da economia não se aplicam". Aí eu respondi: "Não é bem assim. Eu quero dizer ao senhor que nós temos dificuldades, mas o senhor elogiou muito a Rússia, porque a Rússia tinha acabado de sair da União Soviética, estavam começando a transição, e a Rússia também está muito mal. Está fazendo uma transição. Não é melhor que o Brasil. Qual é a diferença entre a Rússia e o Brasil? Será que é porque eles têm 30.000 bombas atômicas e nós não temos nenhuma?". Eu me sentei, e ele ficou... Me mandou uma carta depois, dizendo que não era por isso. Mas o fato é que eu tinha que me defender. Eu conto isso. Em toda parte eu era obrigado, mas era tenso, era tenso.
Em Roma, não. Em Roma eu até fui embaixador depois de ter sido ministro, porque eu fui chamado para ser ministro da Amazônia, porque houve o massacre dos ianomâmis.
Marcílio Falcão: O senhor foi o primeiro ministro do Meio Ambiente da Amazônia, não é isso?
Rubens Ricupero: Isso mesmo. O Itamar me chamou porque, como eu tinha trabalhado muito, porque eu fui o negociador do Tratado Amazônico nos anos 70 e eu era o especialista em Amazônia do Itamaraty. Quando houve aquele massacre, a primeira ideia que o governo teve foi criar um ministério. E aí, quem vai ser o ministro? Foram lá... não podia ser um homem da região, que teria muitos problemas. Então foram buscar alguém de fora, como eu. Quando eu cheguei não tinha nada, era como... "era uma casa muito engraçada", não tinha nem lugar de sentar. Mas logo depois juntaram com o Ministério do Meio Ambiente, e eu passei a ser ministro do Meio Ambiente e da Amazônia. Mas eu fiquei mais ou menos um ano. Depois, quando o Fernando Henrique teve que deixar de ser ministro da Fazenda, eu fui ser ministro da Fazenda. E, você sabe, foi no meu tempo, a mim que coube preparar e lançar a nova moeda, o Real, em julho de 94.
Marcílio Falcão: Eu ia entrar nesse assunto, embaixador. E eu ia lhe perguntar como foi essa experiência, essa vivência de sair da diplomacia e se dedicar ao governo como político, como um ministro, um ministro de Estado tão importante quanto o da Fazenda?
Rubens Ricupero: Foi uma experiência muito diferente, porque eu estava acostumado a ver os problemas diplomáticos. Você, em geral, não vê a solução, porque eles são de longo prazo. Não é? Tudo, assim, negociar um documento, preparar um tratado... mas dificilmente você tem a oportunidade, como o Rio Branco teve, de resolver um problema de limites. O Rio Branco resolveu todos os problemas. Depois disso, não havia esse tipo de problema. Já quando você entra no governo, os problemas são no dia a dia. Você é ministro do Meio Ambiente e está tendo uma queimada na Amazônia, você tem que pegar um helicóptero e ir lá, mobilizar o exército. Tem que ser na hora. Você não pode esperar. Você tem um problema de águas, por exemplo, a questão de como utilizar as águas de um rio internacional. São problemas imediatos, como os da Fazenda também, os problemas da moeda, da inflação, você tem que resolver na hora. O que tem também vantagens, que você vê a solução, você vê os efeitos. Na diplomacia, é mais indireto. Eu gostei muito dessa experiência. Aprendi muito.
Agora, quando eu deixei o Ministério da Fazenda, eu fui para Roma. Aí é que eu confesso: eu não me adaptei mais a ser embaixador, porque eu vinha de uma batida muito intensa. Você sabe, como ministro da Fazenda e nesse período do lançamento da moeda, eu era um virtual primeiro-ministro. Todas as pessoas olhavam para mim como se o futuro do país fosse depender daquilo. De repente, eu vou lá para um posto na Europa Ocidental. Você sabe, o embaixador do Brasil em Londres, em Paris ou em Roma, não digo que não tenha trabalho, mas é um trabalho muito tradicional. O comércio, a economia não passam muito pela embaixada, passam pelas grandes companhias. A embaixada tem todos aqueles hábitos diplomáticos de visitar os colegas, receber as visitas. Eu achei aquilo tudo muito chato. Eu não me acostumei mais.
Então, depois de alguns meses, eu achava que... eu sentia falta de um desafio maior, e eu não tinha nem completado um ano quando o Boutros-Ghali, que era secretário-geral da ONU, me telefonou e me convidou para ser secretário-geral da UNCTAD. E eu sabia que era um desafio grande, porque a UNCTAD estava em crise. Tinha gente que até queria suprimir, mas o que me atraiu foi o desafio, foi o fato de que eu ia voltar a Genebra. Eu tinha duas filhas morando em Genebra, que tinham ficado lá. Tenho uma até hoje. Tenho uma neta que é de lá, que é até hoje genebrina. E, além do mais, eu voltaria a um assunto que eu gostava, que era o comércio.
Então eu aceitei e aí eu deixei o Itamaraty, eu me aposentei. Eu devo ter sido um dos casos raros: eu me aposentei com 57, 58 anos. Me aposentei mesmo, porque eu sabia que não ia voltar mais. Eu queimei os navios, porque eu achei que era uma função muito difícil e que eu tinha que eliminar qualquer possibilidade de querer voltar atrás. Então eu pedi aposentadoria e fui para lá e comecei uma vida nova, que foi essa que me levou à UNCTAD, e você sabe que eu fiquei lá quase dez anos.
Marcílio Falcão: O que é que foi feito nessa época, embaixador, em termos de reestruturação da UNCTAD? O senhor vê algum benefício para o Brasil que surgiu a partir desse trabalho que o senhor desempenhou lá?
Rubens Ricupero: Bem, você sabe, a minha preocupação não era tanto o Brasil, porque aí eu não era mais representante do Brasil. Você sabe que eu não devo nada ao Brasil por ter me tornado secretário-geral da UNCTAD. Eu fui escolhido pela Assembleia Geral. Eu não fui designado pelo governo brasileiro, como muita gente pensa, e nem sempre eu estava de acordo com o governo no Brasil. E a UNCTAD, na época, vivia uma crise existencial, porque quando eu me tornei secretário-geral, foi em 1995. Foi o mesmo ano em que se criou, pela primeira vez, a Organização Mundial do Comércio. E na época se dizia que não havia lugar no mundo para duas organizações multilaterais de comércio: a Organização, a OMC, e a UNCTAD, que também cuidava de comércio; que se deveria suprimir a UNCTAD.
E muita gente, sobretudo os países ricos, queria suprimir a UNCTAD, porque a diferença fundamental entre a OMC e a UNCTAD é que a OMC era baseada no princípio de que o comércio não deve ter privilégio para ninguém. Todo mundo deve comerciar em igualdade de condições, seja rico, seja pobre. Enquanto que a UNCTAD foi construída sobre a base do pensamento do Raul Prebisch, da CEPAL, dizendo que você tem que tratar desigualmente os desiguais, e os países em desenvolvimento não podem competir em igualdade de condições com os países de industrialização madura. Então, eles precisavam ter uma vantagem qualquer, tarifas menores para poder exportar, um tratamento especial e diferenciado para os países em desenvolvimento. Essa é a base, a inspiração da UNCTAD.
Então, são dois animais diferentes, não são a mesma coisa. Mas os países como os Estados Unidos, os europeus, o Japão queriam suprimir a UNCTAD, que os incomodava esse lado porque a UNCTAD era a organização Norte-Sul, e eles não queriam muito ouvir falar disso. Então o meu trabalho de início foi persuadir a comunidade internacional da necessidade imprescindível da UNCTAD. Foi difícil, porque não queriam permitir que isso acontecesse. Eu até conto uma anedota. Assim que eu fui eleito secretário-geral da UNCTAD, eu fui fazer uma visita a Nova Iorque, e uma das primeiras pessoas que eu visitei foi a Madeleine Albright, que era na época a embaixadora americana na ONU. Foi antes de ela ser Secretária de Estado.
Ela, quando me recebeu, ela me disse: "Embaixador, de saída, eu quero que o senhor saiba que eu não fui consultada sobre o seu nome". De saída, uma coisa quase dizendo: "Ah, se eu tivesse sido consultada, eu não teria sido a favor". Não porque ela fosse contra mim, era contra a ideia da UNCTAD. Aí eu disse: "Não, eu sei", e procurei lutar para fazer aceitar. Aí é que você vê a qualidade do diplomata. O diplomata é isso: ele tem que aparar essas arestas, ele tem que convencer, tem que persuadir mesmo aqueles que têm uma opinião contrária. Pouco a pouco eu fui afirmando a UNCTAD, e eu procurei tornar a UNCTAD útil.
Agora, a outra característica que a UNCTAD tem: a UNCTAD, nessa época, ela já não interessava tanto aos países emergentes muito avançados, que já caminhavam pelas próprias pernas, entre eles o Brasil, o México, que tinha entrado para essa parceria com os americanos. Então a UNCTAD era, sobretudo, uma organização para os países mais pobres. Era para a maioria dos países de menor desenvolvimento relativo, em geral, que são quase todos africanos, mas também muitos asiáticos. Então a UNCTAD fez um grande trabalho para ajudar esses países a se prepararem, para ajudar a eles se tornarem capazes de participar das negociações, a elaborarem as suas próprias estratégias comerciais. Ajudou muitos asiáticos, em geral, a desenvolverem estratégias de exportação, zonas de livre comércio. A China ganhou muito com a UNCTAD. A UNCTAD foi a organização que ajudou a China a se preparar para negociar o ingresso na OMC. A UNCTAD também que ajudou o Vietnã a se preparar. Então, ela fez um trabalho muito útil de cooperação técnica. No Brasil também, mas menos, porque o Brasil já estava mais ou menos aparelhado nesses campos.
Marcílio Falcão: Embaixador, no seu livro "A Diplomacia na Construção do Brasil", que é o meu livro preferido na preparação dos diplomatas para o concurso, eu lembro, em 2017, se não me engano, quando ele saiu, eu fiz uma recomendação de estudo desse livro, dizendo que ele substituía tudo o que já havia sido escrito sobre a história da relação internacional do Brasil. O senhor fala que a diplomacia do Brasil é um fio inseparável da tessitura da história do Brasil. O senhor compara, já no começo do livro, a construção da personalidade internacional do Brasil em comparação com a dos Estados Unidos. O Brasil, um país sempre amante da paz, da solução negociada, enquanto a conquista do território por parte dos Estados Unidos foi mediante guerra e aquisição com violência, com coerção.
Como é que o senhor avalia a construção da nossa identidade nacional ao longo do tempo, em comparação com outros países? O que é que faz a diplomacia do Brasil especial em relação aos outros países?
Rubens Ricupero: Olha, o ponto de partida, é que, como eu digo no livro, poucos países no mundo devem tanto à diplomacia como o Brasil, a começar pelo território. Mais de dois terços do território do Brasil, toda a área de onde sai a soja hoje em dia, da exportação brasileira, não seria brasileira se não fosse a diplomacia. É claro que houve os pioneiros, os bandeirantes, os que empurraram a fronteira. Mas quem legitimou, quem fez aceitar essas fronteiras foi a diplomacia. E através da negociação. Porque, como você bem lembrou, há uma certa semelhança entre o Brasil e os Estados Unidos porque os dois começaram como uma faixa estreita ao longo do Atlântico — os Estados Unidos no Atlântico Norte; nós, no Atlântico Sul — e fomos nos expandindo para o Oeste, com duas diferenças: a primeira é que a expansão brasileira praticamente terminou na época colonial. O mapa do Brasil é, mais ou menos, o mapa do Tratado de Madri de 1750.
Pouca gente se dá conta de que, se não fosse a compra, a aquisição do Acre, em 1903, pelo Rio Branco, o Brasil seria hoje menor do que era na data da independência. Por quê? Porque, quando o Brasil se tornou independente, o Uruguai fazia parte do Brasil. Era a Província Cisplatina, que depois se tornou independente. Mais tarde, o Brasil adquiriu o Acre. Então, a primeira diferença é que a nossa expansão territorial ocorreu antes da era propriamente independente. A dos americanos, não; começa com a independência. A segunda são os métodos. Os americanos adquiriram metade do México pela guerra. Começou com o Texas, depois Califórnia, Nevada, Arizona, Colorado. Tudo aquilo, né. Os nomes, até hoje, são nomes espanhóis. Los Angeles, San Francisco… era Espanha. O Brasil, na verdade, adquiriu quase tudo por negociação. Houve pouca compra. A única compra foi, em parte, do Acre. Agora, a diferença básica é que todos os limites brasileiros foram negociados e foram aceitos pelos países. É claro, houve o da Guerra do Paraguai, que era mais ou menos a fronteira atual. A guerra do Paraguai não foi por causa de território, foi por outras razões. Mas, tirando esse único exemplo excepcional, toda a fronteira brasileira foi negociada. Inclusive, nós temos um caso, um tratado com o Uruguai, em que o Rio Branco, unilateralmente, corrigiu, dando ao Uruguai mais do que eles haviam pedido. Não aceitou as compensações, porque a fronteira que nós tínhamos com o Uruguai, que vinha do Tratado de 1851, tinha sido imposta numa época em que o Uruguai era praticamente um protetorado brasileiro. Então, o limite do Uruguai, tanto na Lagoa Mirim como no Rio Jaguarão, era uma fronteira seca; não tinha direito à navegação. O Rio Branco deu a eles metade da lagoa e do Rio Jaguarão e não quis aceitar compensação, porque ele quis mostrar que fazia questão de retificar. Você vê uma coisa notável: ele, na época, disse numa conferência: "Esse ato de justiça cai bem ao povo brasileiro." Faz bem, está de acordo com a índole do povo brasileiro. E, de fato, Rio Branco foi um homem desse tipo. Ele defendia o interesse nacional, mas era capaz de entender o ponto de vista do outro. Ele se tornou ministro num momento em que teria sido natural ele recorrer à força, porque a rebelião no Acre estava em pleno vigor.
Era uma rebelião contra as autoridades bolivianas — porque o Acre era boliviano, era boliviano, e os colonos eram todos brasileiros por causa da borracha — e havia uma revolta chefiada pelo Plácido de Castro. Quando o Rio Branco chegou para ser ministro, naquela época, que era a época de ouro do imperialismo, em que os franceses, os ingleses, tomavam terras à toa, todo mundo acharia natural ele ter mandado as tropas para tomar aquilo, mas ele preferiu negociar.
Negociou, deu compensações, inclusive territoriais ao Brasil. É claro que o poder maior era do Brasil, ninguém esconde isso, mas o fato de que não foi imposto pela força faz toda a diferença. É isso que permite dizer que o Brasil é um dos raros países do mundo que está em paz ininterrupta com todos os vizinhos há 155 anos.
A última guerra brasileira, se nós não considerarmos a Segunda Guerra, em que nós participamos, na verdade, de uma maneira muito secundária — uma guerra mesmo, nacional —, foi a Guerra do Paraguai. Ela acabou no dia 1º de março de 1870, portanto, faz, hoje em dia, 155 anos. Qual é o país que tem dez vizinhos — e o Brasil já teve 11, porque no começo do século XX o Equador tinha fronteira com o Brasil? Tem até um tratado, Rio Branco-Tovar, que era com o Equador. Depois o Equador perdeu para o Peru, mas o Brasil tem vizinhos que são de universos culturais completamente antagônicos: a Guiana Francesa e o Uruguai, o que eles têm de comum? Nada, né? O Suriname e a Bolívia, e assim por diante. E, no entanto, o Brasil, há 155 anos, está em paz. E o Rio Branco fez questão de não interromper isso, que teria interrompido em 1903 se ele tivesse tomado o Acre à força. E ele diz isso na exposição de motivos, não com essa expressão minha. Ele diz que, se o Brasil tivesse simplesmente esperado que o Acre ficasse independente e aderisse ao Brasil como o Texas tinha feito, isso violaria a boa-fé com que o Brasil sempre se pautou nos assuntos internacionais. Eu acho que isso é verdade, não é uma ideologia.
O Brasil tem essa dívida com a diplomacia. E daí veio a segunda reflexão: é que essa ideia de amante da paz, amante do diálogo, amante do exemplo, isto é, do soft power, que é o poder suave. Há dois tipos de poder: há o poder duro, o hard power, que é o poder das armas, o poder das sanções econômicas; e há o poder soft, que é o poder, digamos, brando, o poder do exemplo, da negociação, da persuasão. O Rio Branco dizia isso: "Nós sempre transigimos, sempre aceitamos, inclusive, ceder em algumas coisas, porque nós queríamos chegar a um acordo." Esse é o exemplo de um país que se construiu na base do poder brando, sabe? Isso não é pouca coisa.
Basta você pensar nos BRICS, nos BRICS antigos, que eram os países de grande território, de grande população, que eram China, Rússia, Índia, Brasil. O único que não é potência nuclear, que não tem bomba atômica, nem é potência militar convencional, é o Brasil. E nem quer ser porque não precisa, porque nós não somos ameaçados. Inclusive, a nossa Constituição proíbe — proíbe a arma nuclear, proíbe a guerra de conquista. — E tem uma outra coisa: você vê a história do Brasil ter mais heróis diplomatas do que militares. Não quer dizer que os militares não tenham feito sua parte, é claro que fizeram, mas nós não temos esse culto pelo herói a cavalo. Você vê durante muito tempo, a nota de mil cruzeiros era chamada "o Barão", que tinha a fotografia do Barão. Nenhum outro país do mundo, que eu saiba, tem a fotografia de um diplomata profissional.
Marcílio Falcão: Nem dois carnavais no ano…
Rubens Ricupero: Exatamente, quando ele morreu… Então é difícil, viu, você encontrar um país que dependeu tanto da diplomacia como nós. E eu direi que, em parte, isso foi um pouco por herança dos portugueses, porque Portugal também, você sabe, era um país mais fraco que a Espanha... Muitas vezes, aquele escritor espanhol, Salvador Madariaga, ele dizia que o único povo ibérico que conseguiu resistir ao centralismo de Castela tinha sido o português, em grande parte por causa da aliança inglesa. Mas é a diplomacia do mais fraco, a diplomacia daquele que sabe que, não tendo força, precisa aumentar o seu poder.
Então, isso levou a uma outra consequência: é que, aos poucos, a ideia de Brasil... aquilo que o de Gaulle dizia: "Eu sempre me fiz uma certa ideia da França". Para mim, a ideia da França era inseparável da grandeza, evidentemente militar, Napoleão. Para nós, a ideia do Brasil é inseparável da diplomacia. Porque, como é que nós gostamos de imaginar que nós fomos? Nós gostamos de nos imaginar como um povo pacífico, um povo satisfeito com o seu território, que não tem ambições sobre os outros. Um povo que não é soberbo, que não é arrogante, que não usa o poder contra os mais fracos, que busca convencer pelo exemplo, pela persuasão.
Dirão alguns que, às vezes, isso é um pouco uma construção ideológica, mas é melhor você desejar isso do que desejar a grandeza militar, ou como os americanos, "a luz sobre a colina", ou, como eles também diziam, "a nação imprescindível". Nós não temos essa mania de achar que nós somos o melhor país do mundo, com as melhores instituições. Nós temos uma visão muito realista do que nós somos. Eu acho que a ideia que o brasileiro faz de si próprio deve muito aos valores diplomáticos, mais do que a esses valores de força e de conquista.
Marcílio Falcão: Já que o senhor entrou nesse assunto, Embaixador, me marcou muito no seu livro a ideia de que a diplomacia brasileira, pelo fato de ter consolidado as fronteiras de maneira pacífica tão cedo — aliás, antes até de o país ser independente. Tanto que, no seu livro, o senhor começa…
Rubens Ricupero: Digamos, antes da Independência não tinha consolidado, mas já estava mais ou menos delineado.
O fato de os nossos diplomatas terem se libertado dessa agenda diplomática de conquista de território tão cedo na nossa história nos permitiu uma certa profissionalização da diplomacia, maior talvez, do que a de outros países. Essa ideia me marcou muito no livro. E o senhor, justamente sobre esse ponto, fala da diplomacia do conhecimento e fala bastante nisso, da aplicação da diplomacia do conhecimento na época do Barão, sobretudo. O senhor poderia falar como essa diplomacia do conhecimento, esse conceito, foi aplicado ao longo da história, tanto desde a época do Barão, e um pouco também hoje em dia, diante desses desafios da tecnologia e tudo isso que se impõe?
Rubens Ricupero: Olha, eu gosto muito de uma história real da vida do Rio Branco, que é contada pelo Álvaro Lins na biografia. Você sabe que o Rio Branco, quando voltou para ser ministro, ele já era viúvo. Depois de alguns primeiros meses, em que ele costumava ir para Petrópolis, porque se dizia que em Petrópolis você não tinha a febre amarela, ele começou a morar no Rio, no próprio Itamaraty. Ele morava num quarto, dormia numa cama de ferro que tem até hoje. Ele levou uma vida espartana e de só viver para o trabalho. Mas há um episódio muito bonito. Uma vez, o médico dele chegou para fazer uma consulta e o encontrou com uma roupa toda amarfanhada e amassada.
Ele tinha acordado naquela hora. Ele se desculpou e disse a ele: "Olha, eu peço desculpas porque ontem à noite eu desdobrei aqui no solo, no tapete, um mapa muito grande, porque eu queria estudar um detalhe no mapa, e eu me debrucei em cima do mapa e acabei dormindo em cima do mapa. Acordei agora." Então, eu disse: "Eu acho isso uma história simbólica." Quer dizer, era um homem, não só ele, que dormiu em cima do mapa. Eram homens que estudavam e estudavam os arquivos. Grande parte da vitória do Rio Branco naqueles arbitramentos a respeito da Argentina, da região do território de Palmas, em que o árbitro foi o presidente Cleveland, dos Estados Unidos, e depois com a Guiana Francesa, com a França, no Amapá, em que o árbitro foi o presidente da Confederação Helvética. Em ambos os casos, ele ganhou 100%. Por quê? Porque ele estudava. Tudo era irrespondível e ele trabalhava, ele não dormia. Durante o julgamento, ele escrevia réplica, tréplica e ele, por telegrama, mandava agentes procurarem um documento no Arquivo das Índias, em Sevilha. Ele dava as indicações e a pessoa ia e encontrava o documento. Então, isso o que era? Era o conhecimento.
Isso já vinha um pouco dos portugueses. Os portugueses levaram a melhor na negociação do Tratado de Madri porque eles estudaram bem as longitudes, coisa que os espanhóis não tinham feito. Isso deu ao Itamaraty, desde cedo, uma forte vocação para o estudo. E não foi só o Rio Branco. Antes dele, Duarte da Ponte Ribeiro, na época do Império, escreveu mais de cem monografias com mapas.
Ele invadia as redações de jornais com o mapa debaixo do braço, esbaforido, mostrando que estavam entrando em território brasileiro. E depois o Rio Branco continuou a tradição, a tradição do estudo. Depois foi a diplomacia econômica. O Itamaraty deu alguns dos primeiros grandes economistas brasileiros. O Roberto Campos, por exemplo, saiu das fileiras do Itamaraty. Então, o Itamaraty, em linguagem moderna, é o que nós chamamos uma instituição produtora de conhecimento.
O Rio Branco era consciente disso, porque numa das cartas que ele escreve, quando ele é convidado para se tornar ministro, ele diz que pretende, que haveria muito trabalho a fazer, que era preciso criar uma biblioteca, era preciso criar uma mapoteca, um arquivo onde os empregados, ele não fala funcionários, os empregados inteligentes vão buscar as armas para as suas negociações.
Então, ele tinha uma noção muito clara de que você tem que se preparar para enfrentar o adversário. E essa é uma tradição que o Itamaraty tem até hoje. Tanto que criou o Instituto Rio Branco em 45. Desde então, profissionalizou. E é por isso que é muito importante um trabalho como esse que você faz, de treinamento, de preparação, porque a essência da nossa identidade é o estudo e o conhecimento.
Nós não temos outras armas, nós não temos essas armas das grandes potências. Então, o que distingue o Brasil, e aí é importante, daí para o multilateral, é a capacidade que o Brasil tem na formulação. De onde vem isso? Vem do estudo, do conhecimento, da capacidade de preparar propostas. Por isso é que é uma diplomacia do conhecimento, que é o poder inteligente.
Marcílio Falcão: Considerando, Embaixador, essa nossa personalidade internacional, construída a partir da obra de grandes diplomatas, de país amante da paz, da solução negociada, contra a guerra, contra a imposição da vontade, em que momentos da nossa história — e aí a gente já pode buscar desde a época da independência, talvez —, em que momentos nós nos desviamos desse curso? Em que momentos houve uma fratura dessa personalidade internacional do Brasil? Uma tentativa de fratura?
Rubens Ricupero: Olha, é uma pergunta muito interessante essa que você faz. Pouca gente se dá conta de que o Brasil nem sempre foi pacífico. Não é que o Brasil seja melhor do que os outros. Eu não estou dizendo essas coisas, que nós somos melhores. Foi construído, é uma identidade construída. E tanto assim que, no início, você vê a primeira guerra que o Brasil teve começa três anos depois da independência, a Guerra da Cisplatina, que nós nos tornamos independentes em 22, ela começa em 25 e vai durar até 28.
E, a partir daquele momento, o período do Império foi um período sempre muito perturbado por tensões e por guerras, sobretudo no Uruguai, que tinha sido território brasileiro e, depois, durante muito tempo, foi um território em que havia muita guerra civil, muito caudilhismo, e as facções apelavam ao Brasil, sobretudo os Colorados. Os Blancos eram contrários e a Argentina, na época de Rosas, de Juan Manuel de Rosas, que era aliado aos Blancos, o Brasil suspeitava que ele quisesse dominar o Uruguai, o que criaria um problema por flanco sul do Brasil. Nessa época, a única forma de chegar a Mato Grosso era pelos rios. Você tinha que sair de navio do Rio de Janeiro, ir até o Prata e subir pelo Rio da Prata. Se alguma potência hostil dominasse o Rio da Prata, você não tinha acesso a Mato Grosso.
Então, para o Brasil era uma questão de vida ou morte. E aí o Brasil se envolveu em conflitos com esses países e, no final, com o Paraguai. A Guerra do Paraguai começa por causa de uma intervenção brasileira no Uruguai, em 1864. Durante esse período, pouca gente também se dá conta. Você sabe que as despesas militares eram a principal rubrica do orçamento. Nessa época o orçamento não gastava com obras públicas, com educação, com saúde. Houve momentos em que mais de 60, quase 70% do orçamento brasileiro era para a defesa, porque o Brasil se sentia ameaçado. Sabe que a Guerra do Paraguai custou ao Brasil 11 orçamentos anuais, 11 anos de orçamento. Por isso é aquela famosa frase que ele dizia: "Maldita guerra, atrasa-nos 50 anos", que de fato foi uma guerra que impediu o Brasil de se desenvolver.
Agora, isso termina com a última guerra, que é a do Paraguai. Depois disso, não houve mais ameaça à segurança brasileira. O final do Império já foi um período pacífico. Ainda houve um período difícil, a década de 1870, porque tinha a chamada questão argentina. O Brasil se opôs a que os argentinos anexassem grande parte do Chaco Paraguaio. O Brasil não quis que isso acontecesse. Inclusive porque não era justiça, não era o direito. E, depois disso, a partir de 1880, começa um período muito pacífico na nossa história e nunca mais nós tivemos ameaças externas. Até hoje não temos, mas nós já tivemos no passado. Nós enfrentamos essas ameaças. Eu acho que a grande qualidade do Brasil foi não ter mantido, porque teria sido fácil, depois da Guerra do Paraguai, o Brasil ter se mantido como uma grande potência armada, porque o Brasil saiu da Guerra do Paraguai, de longe, o país com a maior marinha, maior exército da América do Sul. Mas o Brasil começou a diminuir, tanto assim que houve a questão militar. Os militares não gostaram, porque eles perderam um pouco daquela importância que eles tinham tido na guerra.
Mas eu acho que foi correto, porque não precisava mais. O Brasil sempre foi pragmático. Quando precisou, teve que ter essa defesa, mas depois não precisou mais.
Marcílio Falcão: E no período pós-guerra, Embaixador, essa linha de atuação internacional que nós começamos a imprimir no pós-Segunda Guerra, eu quis dizer. Em que momentos essa abertura do Brasil, essa interação que o Brasil passou a ter com todo o mundo, passou a ser ameaçada, colocada em xeque?
Rubens Ricupero: Olha, como já disse antes, o grande momento da mudança no Brasil é a Política Externa Independente, que é quando o Brasil realmente compreende que os seus interesses nacionais, que hoje em dia são predominantemente de desenvolvimento — como o Brasil não tem aspirações de ter mais território, não quer dominar ninguém e não tem nada a ver com os conflitos do Oriente Médio ou os conflitos da Ucrânia ou da Europa —, qual é o objetivo brasileiro? O objetivo brasileiro é se tornar um país próspero para poder ter uma população toda fora da pobreza, com menos desigualdade, com menos doenças.
Isso você não consegue através de Guerra Fria, com o alinhamento de um bloco ou de outro. O Brasil passou a ver, antes de tudo, o seu interesse nacional, não com egoísmo, mas com a ideia de que o nosso interesse é o mesmo dos países emergentes, que são países que querem se desenvolver, querem ter um mundo mais equilibrado, um mundo em que a riqueza seja melhor distribuída.
Isso começa com a Política Externa Independente. Tem uma pequena recaída no começo do governo militar, com o Castello Branco, que volta àquela política, intervenção na República Dominicana, mas não dura muito. Já no governo militar, a partir do Geisel e do Azeredo da Silveira, o Brasil retoma aquela ideia de isenção, da qual nunca mais se afastou, salvo nesse período do governo Bolsonaro.
Foi um governo, uma exceção sob todos os aspectos, mas agora voltou ao seu caminho normal. Então, qual o interesse brasileiro? Você se pergunta o seguinte: um país como o nosso, que não é potência nuclear, não é potência militar convencional, não tem nenhum desejo imperialista de dominar outros países ou de querer ter mais território, qual é o interesse dele? É o multilateral. Quer dizer, a única área em que o Brasil pode ter influência é nessa diplomacia que depende da capacidade de formulação, da diplomacia de conhecimento, das propostas. Para que isso? Para ter um mundo melhor, para ter um mundo que permita aos mais pobres se desenvolverem. É claro que o principal eles mesmos têm que fazer, mas nós sabemos que o comércio é um comércio muito desequilibrado. Você tem que criar regras mais justas, tem que dar uma ajuda aos países que são mais fracos, tem que procurar ter programas de cooperação técnica e de construir a capacidade desses países. O Brasil luta por isso, luta por um mundo que seja mais equilibrado. Não para que o Brasil domine, para que todos possam ter acesso. E aí entra também a ideia do interesse global.
Eu sei que essa é uma preocupação também que você tem, de que nós, no mundo atual, a grande ameaça para nós é quererem fazer o relógio da história voltar atrás, porque nós vivemos, mal ou bem, com organizações internacionais desde o fim da Primeira Guerra Mundial. Antes da Primeira Guerra Mundial, o mundo era dominado pela força, era dominado por aquele pequeno grupo de países europeus — os Estados Unidos ainda estavam muito afastados —, mas era o Reino Unido, o Império Alemão, o Império Austro-Húngaro, o Império Russo, a França, a Itália. Eram os países que davam as cartas. Esses países se aliavam, eles se aliavam, havia dois sistemas de aliança, um contra o outro, se equilibravam mais ou menos. Mas o único interesse deles era o interesse nacional. E quando havia um conflito, como é que se resolvia o conflito se eles não eram capazes de resolver de uma maneira negociada, emergia a guerra. Quem tinha mais força prevalecia e impunha a sua vontade. Nesse tipo de mundo, os mais fracos eram esmagados. Quer dizer, aquele "manda quem pode, obedece quem tem juízo". Os pequenos tinham que obedecer, não tinham outro caminho. Ora, esse tipo de mundo acabou. Acabou depois da Segunda Guerra Mundial. Criou-se a ONU para quê? Para tornar perene o império da lei, the rule of law.
Então, o que a ONU fez? A Carta da ONU é uma espécie de constituição do mundo. Nessa constituição se diz que o recurso à guerra é ilegal. Você só pode usar a força em duas situações: legítima defesa, se você for atacado; ou então se o Conselho de Segurança, por unanimidade dos membros permanentes, tomar uma decisão dizendo que um determinado país é uma ameaça à paz e à segurança, como foi o caso do Afeganistão, quando eles continuaram a querer dar proteção ao Talibã depois do ataque terrorista aos Estados Unidos. Aí você decreta uma intervenção, mas é uma intervenção legal. Fora disso, qualquer guerra é ilegal. Por isso a agressão à Ucrânia pela Rússia é ilegal, porque a guerra hoje é ilegal. Ninguém pode fazer justiça pelas próprias mãos, por mais que diga que tenha razão. Agora, a gente sabe que isso é um ideal, é um ideal ainda distante. Se até dentro de um país a lei nem sempre é obedecida — há homicídios, estelionatos, roubos, furtos —, imagine na esfera internacional, em que não se tem uma polícia, não se tem um poder sobre os países. Mas é para aí que nós caminhamos. A civilização caminha nessa direção. Em relação a isso, uma figura como o Trump é um retrocesso, porque o Trump, curiosamente, de onde menos se esperava, que é dos Estados Unidos, é que veio a ameaça. Antigamente se dizia que isso viria da China, da Rússia também, mas a Rússia não tem mais essa força. A ameaça veio dos Estados Unidos.
Agora, o Brasil deve resistir a isso. E o interesse do Brasil é se unir a todos aqueles que querem manter, reforçar e desenvolver o multilateralismo. Por interesse próprio, porque se esse mundo acabar, nós vamos ser vítimas dos mais poderosos. Não é uma questão apenas de ideologia, de idealismo. É idealismo, mas antes de ser idealismo, é uma questão até de egoísmo, não é?
Então, a grande ameaça hoje em dia, essa, não é outra. A grande ameaça é essa de um mundo unilateral. Felizmente, ainda não prevaleceu, porque você tem isso em certas áreas, como as tarifas no comércio. Mas, felizmente, mesmo essa questão da Ucrânia ainda é limitada. Nós temos que evitar. As pessoas esquecem com facilidade que nós este ano acabamos de comemorar 80 anos sem a Terceira Guerra Mundial.
A Segunda Guerra Mundial terminou há 80 anos. Entre a primeira e a segunda houve só 20 anos. Nunca mais se usou uma bomba atômica, Hiroshima e Nagasaki. Parece que as pessoas esqueceram o que isso representa. Nós temos que defender com unhas e dentes esse mundo. Daí a importância de que o Brasil seja isento, entende? O Brasil não pode tomar partido.
É claro que se a China e a Rússia — pelo menos a China — defendem o multilateral, o Brasil tem que estar também nessa mesma linha, mas não deve fazer a escolha de um lado contra o outro lado. O nosso lado é o multilateral, é o da Carta da ONU. Nós somos favoráveis à Carta da ONU, que é lá que estão os princípios.
Inclusive porque os princípios da Carta da ONU foram reproduzidos no artigo quarto da Constituição Brasileira. O Brasil é um dos poucos países que tem na Constituição os princípios da política externa, mas, no nosso caso, a integração latino-americana que foi incluída. Então, esses são os nossos princípios. Daí a importância de o Brasil ser fiel a isso.
Marcílio Falcão: E em nossas outras conversas, Embaixador, a gente sempre conversa sobre temas globais, aqueles assuntos que extrapolam as fronteiras nacionais. O senhor poderia comentar um pouco quais são esses temas e como se desenvolveu uma consciência da relevância de esses temas serem pensados na coletividade e não a partir só dos interesses nacionais?
Rubens Ricupero: Olha, essa pergunta é fundamental. Eu diria até que é uma das mais importantes que a gente pode fazer.
O que é que significa global? Global significa que é do interesse de todos. Global é o oposto de nacional ou local. Você tem local, nacional e global. Global é o globo, é o planeta, é o interesse de todo o planeta. O que significa isso? É que no mundo há problemas internacionais gravíssimos que são causados por um país ou outro, ou às vezes, vários.
Por exemplo, a invasão da Ucrânia é responsabilidade da Rússia e do Putin. Esse caso da Faixa de Gaza começou com uma agressão do Hamas e agora é uma represália de Israel. Quer dizer, são ações tomadas por países, mas há problemas que afetam o mundo inteiro e que não são propriamente originários de uma ação ou de uma omissão de um país só.
Por exemplo, o aquecimento global, a mudança do clima. Esse é um exemplo importantíssimo. Você sabe que é, na verdade, a mãe de todos os problemas, porque se nós não resolvermos isso, os outros problemas vão perder a importância, porque não vai existir mais civilização humana sobre a Terra. Nós vamos destruir a vida no planeta. O problema mais importante do mundo é o aquecimento global, é a ameaça ao meio ambiente, é à poluição.
Agora, isso começou como? Começou com a Revolução Industrial. Começou com alguns países que passaram a usar os combustíveis fósseis, que foram acumulando aqueles gases de efeito estufa que foram aumentando a temperatura média do planeta, mas depois se espalharam para o mundo inteiro. O Brasil, por exemplo, sempre teve uma política aberta ao meio ambiente, mas sempre viu aquela visão do Sul.
O Brasil dizia que é importante levar em conta a responsabilidade de todos, geral, porém diferenciada. Isto é, os países avançados que foram responsáveis pela Revolução Industrial são os principais culpados. Eles são ricos por causa disso e eles é que têm que pagar. Isso é verdade historicamente, mas hoje em dia deixou de ser verdade, porque com o tempo os países do Sul começaram a se desenvolver muito e muitos, hoje em dia, por exemplo, a China é o maior poluidor do mundo, é o país que mais usa carvão para gerar eletricidade. A Índia não está muito atrás. Não é mais válido esse argumento. Esse argumento agora tem que ser temperado, tem que ser visto dentro do âmbito global. O que eu quero dizer é que, nessa matéria, quando a responsabilidade é global, a ação, o remédio, também tem que ser global. Todos têm que aportar. É claro, você não vai querer que o Burundi ou o Haiti façam a mesma coisa que o Brasil, mas o Brasil não pode querer fazer tão pouco como o Burundi. Ele tem que fazer alguma coisa, ele tem que ser coerente, ele tem que dar a sua contribuição.
Então, os problemas globais hoje em dia são os que afetam todo o mundo. O primeiro é esse da mudança do clima, que são muitos problemas: aquecimento global, a extinção das espécies vegetais, animais, a poluição das águas, a elevação do nível dos oceanos, o derretimento da calota polar. Tudo isso está dentro do grande conjunto de problemas climáticos.
Depois, você tem o problema das doenças, das pandemias. Nós acabamos de sair de uma pandemia que teve início aparentemente na China. Se espalhou pelo mundo inteiro. O Brasil teve 700.000 mortos. Dizem alguns que até mais, 1 milhão. É muita gente que morreu. Se amanhã vier uma nova, dizem que é inevitável, épreciso ter uma cooperação mundial. Nós vimos o caso da pandemia, a vacina, o alerta da Organização Mundial da Saúde. Daí o erro do Trump de sair da Organização Mundial da Saúde. O segundo grande problema é esse da questão da saúde. Mas há outros problemas: a revolução digital, a inteligência artificial. Que impacto que ela vai ter no mundo? Como evitar que ela elimine os empregos? Você vê, em todos esses campos, esses são os desafios que nós vamos ter pela frente: defender o multilateralismo e nos prepararmos para esse novo tipo de problema, que não depende só de um ou outro país, mas depende de uma ação global.
Marcílio Falcão: Tá bem, Embaixador. Para fechar a entrevista, eu queria trazer uma pergunta que foi sugerida pelos nossos alunos e eles me perguntaram: "Por favor, pergunte ao Embaixador Ricupero”. Que qualidades humanas e intelectuais um diplomata da nova geração deve cultivar ou procurar ter para dar conta justamente desses novos desafios que surgem em função desses temas globais que o senhor comentou?
Rubens Ricupero: Olha, eu acho que, em grande parte, as qualidades necessárias ao diplomata não mudaram muito com o tempo. Agora sim, algumas novas, mas o diplomata tem que ser o homem do diálogo, o homem da conciliação, como dizia o Barão do Rio Branco, o homem da transação. Isso significa nem ser prepotente, no extremo, nem ser tímido demais, fraco na negociação, no outro extremo. Tem que ser alguém que se baseie nas armas do conhecimento. O conhecimento deve guiar o diplomata. Muitas das qualidades do diplomata podem ser até inatas. A capacidade, por exemplo, de ouvir, de saber ouvir, porque o bom diplomata é o homem do diálogo, o que tenta se colocar um pouco na posição do outro. "O que eu faria se eu estivesse na posição dele? Por que é que ele está sustentando esse ponto de vista?" É preciso saber compreender isso. Uma qualidade que eu valorizo muito no diplomata é o interesse pela diversidade humana, dos seres humanos e das culturas. O diplomata não pode ser aquele tipo que valoriza apenas a sua própria cultura, que acha apenas que a cultura na qual ele nasceu, o país do qual ele provém, é que deve prevalecer em tudo. É aquele que seja capaz de entender.
Você sabe, eu vejo isso em mim mesmo. Eu tenho hoje muita idade, mas até hoje eu tenho interesse em qualquer país pequeno de que eu ouço falar, que eu nem sabia que existia. Daqueles países que saíram da África do Sul, de vez em quando aparece o nome, você vai lá descobrir o que é que eles são, quantos habitantes teêm. E eu tenho interesse por isso. A pessoa tem que ter interesse por outras culturas.
Por exemplo, é triste quando você está num posto — isso me ocorreu muito — de ver aqueles diplomatas que vivem apenas falando a própria língua dentro daquele grupo, se reunindo no sábado para comer uma feijoada, que não têm nenhum interesse pelo país em que estão, que não viajam. Quer dizer, é fácil quando você está na Europa, querer viajar na Itália ou na França, mas às vezes você está num país bem menos atrativo, mas que tem também as suas riquezas humanas, as suas riquezas paisagísticas.
Às vezes, você tem pessoas que não têm nenhum interesse, nem em se interessar pelas comidas locais. Então, o diplomata tem que ter esse lado. Tem que ter esse lado porque é isso que forma a empatia, o lado de que "tudo o que é humano me pertence". E eu quero ter esse contato com os outros. E daí a importância de se gostar de línguas, gostar de literatura, gostar de conhecer um pouco de como outros países fazem a sua arte, a sua visão do mundo.
E hoje em dia, eu diria, diante desse mundo novo, o que já é mais difícil para pessoas da minha geração, esse mundo digital, porque isso para nós é novo. Você passou séculos e séculos, depois da revolução de Gutenberg, sem nenhuma grande inovação. O século XVI, XVII, XVIII, XIX era tudo a palavra escrita e impressa. De repente, entra esse mundo digital, essa revolução das comunicações, a inteligência artificial. Isso é um desafio. Você precisa aprender. Eu me lembro que quando eu deixei a UNCTAD, foi em 2004, eu no começo não sabia usar um computador, porque lá eu tinha um secretariado, eles me preparavam todos os textos. No começo, eu achava que eu nunca ia aprender a usar o computador e muito menos o celular. Eu achava que era um mistério: "Como é que você faz uma operação bancária pelo celular?"
Hoje eu aprendi, aprendi. Entrei. Hoje em dia, eu não sou capaz de escrever sem o computador, porque ele facilita muito que você corrige, tira, muda, pega um trecho aqui, põe adiante. Hoje em dia, para você se corresponder, para mandar uma mensagem ou receber, para fazer uma pesquisa, a rapidez com que você vai atrás da informação... você precisa dominar esses instrumentos.
Eu acho que o diplomata, no futuro, tem que ser treinado inclusive para certas habilidades que eu confesso que eu não tenho. Eu só sei essas coisas mais elementares, mas eu invejo as pessoas que são capazes de trabalhar com inteligência artificial, com outras coisas, porque no futuro vai ser necessário você saber. Eu já ouço dizer que muitas vezes se prepara um texto com inteligência artificial.
Eu acredito que no próprio Itamaraty já tem gente fazendo isso.
Marcílio Falcão: Certamente, sim! E não volta atrás, Embaixador.
Rubens Ricupero: Você tem que alimentar, colocar coisas novas. E, é claro, você tem que manter tal capacidade de julgamento. Mas eu acho que isso é o novo. Isso, em relação ao meu tempo, é novo também.
Marcílio Falcão: Embaixador, muito obrigado pelo seu tempo. Foi uma grande honra encontrá-lo novamente. É sempre um grande prazer. Eu sempre ganho o dia quando eu venho aqui. Então, obrigado.
Rubens Ricupero: Muito obrigado! São reflexões de uma longa vida. Eu agradeço muito a vocês também, aos que trabalharam aqui para gravar. Espero que saia bom o resultado. E, sobretudo, espero que ajude os outros, que, como eu digo, eu bati muito a cabeça. Pensei durante muito tempo que não ia encontrar meu caminho. Muitas vezes a pessoa vê... Eu hoje tenho já uma idade avançada, já fui ministro, isso e aquilo. A pessoa diz: "Eu nunca vou chegar nem perto". Ora, eu comecei sem ter certeza de nada e eu passei por muita dificuldade até chegar onde cheguei. Então, é o que eu espero: que cada um se estimule nisso e lute para chegar.
Marcílio Falcão: Muito obrigado, Embaixador. Realmente é uma experiência inspiradora para todo mundo que o assiste. Espero que vocês tenham gostado da entrevista. A gente vai provavelmente fazer outras no futuro. Foi, mais uma vez, um grande prazer. Deixo o meu agradecimento ao Embaixador. E curtam a entrevista, curtam os materiais que a gente vai divulgar. Nós deixamos aqui um link para os livros do Embaixador, que são obras de referência, inclusive na preparação para o concurso. E a gente se despede aqui. Obrigado.
Rubens Ricupero: Obrigado, igualmente, uma vez mais.
Assista à parte 1 da entrevista, clicando AQUI
Assista à parte 2 da entrevista, clicando AQUI
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